Seu irmão é um pedaço seu. Nem mesmo a distância consegue separá-lo de você

Seu irmão é um pedaço seu. Nem mesmo a distância consegue separá-lo de você

Estou lendo “Dois Irmãos”, de Milton Hatoum. Logo no início do livro me deparei com a angústia e a dor de uma mãe idosa em seu leito de morte: “Meus filhos já fizeram as pazes?” foram as suas últimas palavras. Conforme fui descobrindo a relação conturbada daqueles irmãos, lembrei-me de um amigo que cortou as relações com o irmão após sérias divergências entre eles.

Também me lembrei de quando entrei na adolescência e meu irmão começou a falar que eu tinha me tornado uma chata. Sendo um ano e oito meses mais velha que ele, naquela época em que os hormônios começaram a me trazer espinhas, TPMs e paixões platônicas, para mim meu irmão é que não passava de um moleque infantil e pentelho.

A gente vivia brigando. Morávamos em um apartamento de três quartos. Meus pais ficavam na única suíte. Eu dividia um quarto com minha irmã caçula; os meninos, irmãos do meio, dividiam o outro quarto. Assim, nós quatro usávamos o mesmo banheiro. No auge dos meus 15 anos, o dia ficava péssimo quando eu encontrava o assento da privada com respingos de xixi. Eu queria morrer! Então, os espertinhos dos meninos — eles sabiam o que fazer para me irritar — me imitavam em frente ao espelho: “ai, estou há 20 minutos arrumando a franja”.

Meus pais só podiam ser loucos para fazer longas viagens de carro com quatro crianças. A briga começava pela disputa de quem iria sentado à janela (o que papai resolvia rapidinho: “dois sentam na ida e os outros dois, na volta”). Sempre tinha aquele irmão folgado que se esparramava no banco, com as pernas abertas, enquanto os outros três ficavam espremidos: “Pai! Ele está me apertando!” (agora entendo perfeitamente por que, virava e mexia, meu pai perdia a paciência).

A gente disputava quem iria jogar Atari primeiro, quem sentaria no banco da frente do carro e quem ficaria com o controle remoto da televisão. Mesmo assim, quando penso naquela fase em que houve birras e mágoas entre nós, as minhas lembranças ainda são as brincadeiras e alegrias que compartilhamos. Naquela época em que morávamos juntos, dividindo brigas e travessuras, segredos e medos; algumas vezes nos amando e outras vezes nos odiando; sentindo o mesmo temor do pai bravo e a mesma vontade de comer o bolo que a mamãe fazia, aprendemos que não existe nada pior do que não ser amigo dos nossos irmãos.

Quem tem irmãos sabe disso. Mesmo que tivéssemos desentendimentos e xingássemos uns aos outros, se por acaso algum colega do clube ou do colégio insultasse o nosso irmão, nós ficávamos possessos de raiva! A irmandade tem dessas coisas estranhas: “eu posso bater, mas ai de você se machucar o meu irmão!”.

É que o amor entre irmãos tem que superar tudo. Ele supera diferenças; ultrapassa a separação física que surge com a vida adulta; enfrenta o ciúme que perdura ao longo dos anos; e vence a discórdia que tenta desuni-los. Por isso, hoje, enquanto cada um está vivendo a sua vida e constituindo a sua nova família, nós temos com nossos irmãos uma ligação que sobrevive ao tempo e à distância: é a saudade que está sempre nos levando de volta à casa da nossa infância.