Tudo pode acontecer. Inclusive, nada

Tudo pode acontecer. Inclusive, nada

Quando eu nasci, um anjo torto, desses que frequentam clínicas de reabilitação, veio e me disse: “Vai te foder, Carlos!” Nem precisava tanto. Anjos tortos nunca se endireitam. Tentei ganhar uns trocados escrevendo poesia, mas logo percebi que a minha sina era pelejar na prosa. Nalgum momento da vida, a graça e a lira me abandonaram. Não as condeno. Daí escrevi, escrevi, escrevi até o cu fazer bico e o Greenpeace cismar comigo, ao ponto de pichar o muro lá de casa com extrato-de-urucum: “Salve a floresta. Pare de escrever”.

Mandei o Greenpeace à merda e continuei derrubando metros cúbicos de madeira-de-lei usando apenas uma pena. Mais que isso, eu exigi que o dinheiro me trouxesse felicidade, porém, ele só me apareceu com quirelas de amor e muita frustração. “Deus quis assim…” Pare com isso! Não gosto de aforismos. Não gosto de fanatismos. Se Deus não quisesse tanto, talvez as coisas acabassem se encaixando e aquele projeto de mundo melhor prosperasse. Não me culpe pelo atrevimento, pela incredulidade, pelo descaso. Certos dilemas existenciais não se resolvem da noite para o dia, nem abusando da ironia e do sarcasmo, minhas marcas registradas ao escrever.

Tudo pode acontecer. Inclusive, nada. Pode ser que eu atire pedras na lua. Pode ser que a NASA me lance às presas de um dragão. Pode ser que uma bala perdida me encontre e sejamos felizes para sempre, eu e a bala. Pode ser que eu passe mal num concurso público. Pode ser que eu meta a mão numa privada para catar 5 pilas. Pode ser que alguém encontre o meu corpo combalido boiando dentro de um banheiro entupido, na maior merda. Pode ser que eu costure os pulsos. Pode ser que impulsos deixem de ser impulsos para se tornar coragem de tocar a vida em frente. Pode ser que eu ande o tempo todo na linha até ser atropelado. Pode ser que eu embarque num trem chamado desejo na próxima estação. Odeio o verão. Pode ser que eu pratique downhill na gélido cordilheira dos seus olhos. Pode ser que você reconsidere, que me abra os braços. Pode ser que eu entre e coma. Pode ser que isso seja um belo início. Ou o fim de outra história promissora.

Pode ser que este texto lhe pareça totalmente sem noção e sem sentido. Não é para menos. Você pensa que entende tudo, mas, você não entende nada. Somos iguais. Que tal parar de pisar nas pessoas. Pise na grama. Pare na pista. Faça barulho dentro de um hospital. Se beber, não digira. Vomite todos os sapos que puder. Os benefícios passam. Os transtornos ficam. Portanto, permita-se. Aliás, em tempo: aqui, seara de auto-pertencimento, é permitida a entrada de estranhos. É permitido conversar com o motorista. Acima de tudo, é permitido permitir.