A arte de ser ácido sulfúrico em meio a tantos docinhos

A arte de ser ácido sulfúrico em meio a tantos docinhos

Eu tento. Juro que tento. Juro que tento ser mais-amor-por-favor. Venho fazendo esforço para ser menos-julgamento-mais-sentimento, mais-gentileza-menos-censura, mas confesso que o negócio anda difícil.

A verdade é que tenho pecado bastante no quesito docinho. Em meio a tanta gente fofa e despida de maus olhados, embebida de energia positiva e corações no lugar dos olhos, por vezes chuto o balde e me embriago mesmo é de ácido sulfúrico.

Não é por mal, veja bem, a marca da bebida é vagabunda, qualquer coisa de segunda linha. Não chacoteio problemas existenciais nem nada de grande monta. As significativas manifestações da psique me fogem do parco alcance. O que corrói mesmo são as miudezas, as pequenas e insuportáveis manifestações que passam invisíveis aos olhos descuidados e não deveriam incomodar ninguém (note aí o futuro do pretérito).

Ao puxar a primeira pontinha, o novelo pode ser desfiado até o infinito. Gente que posta foto com legenda na terceira pessoa, por exemplo, me equivale a tomar cicuta: “ela é mulher de fibra, de personalidade única”, mas a foto estampada é da própria pessoa, que escolheu a frase a dedo. Qual a credibilidade? Como confiar em quem disfarça a primeira pessoa com tanta inocência e com a mesma efetividade de crianças que escondem só a cabeça, acreditando-se invisíveis?

Na mesma linha, pessoas que citam a si mesmas também são um balde de água fria. “É como eu sempre digo…” Mas, puxa vida, se diz sempre, que diga novamente, sem esse preâmbulo metalinguístico! Dia desses ouvi uma ótima: começava com o peculiar preâmbulo e a frase de efeito era que, após a tormenta, vem sempre a calmaria. Uau! Com tanta originalidade, quase dá para entender o motivo da autoconclamação pela autoria.

Há ainda as irritações por motivos clássicos. Gente que dá bom dia toda santa manhã no Whatsapp; que só sabe falar da genialidade dos próprios filhos e de gravidezes presentes e pretéritas; que escreve e fala difícil porque acha que isso é chique (haja gerúndio e latim!); ou que faz “trocadalhos do carilho” na menor oportunidade. Não dá pra confiar. Frases da bíblia legendando fotos semipornográficas entram aí também, assim como postagens com trechos de livros que jamais foram lidos e indiretas para as quais provavelmente ninguém está dando a mínima. A indireta quase sempre fica no vácuo, a pobre.

Bem, provavelmente vários sábios estejam apontando dedos para o céu e eu, me atendo à estética do dedo e não às nobilíssimas estrelas. Prometo repensar a vida. Mas, se você também anda sendo ácido em meio aos docinhos, pelo menos pode dormir em paz, com a certeza de não estar só.