Por que as mulheres amam mais que os homens?

Por que as mulheres amam mais que os homens?

O que esperar de um novo amor? Alguém delicado e incrível que vai fazer você se sentir importante, até que a rotina maçante, finalmente, os separe? Um desconhecido com quem ser feliz para sempre? As relações humanas são estranhas; muitas vezes, permeadas de violência e tristeza. Começam com giros nas entranhas, confissões bisonhas, buquês de flores na mão. Podem acabar com rosas fúnebres sobre um caixão. Nem precisa me dizer: eu sei que esse viés soa mórbido. Amar provoca nos amantes sensações de prazer e desfalecimento. Rostos em brasa. O tal “fogo que arde sem se ver”. Com o tempo, se assim se permite, banhos de água fria congelam os corações, inexoravelmente.

A mulher dos seus sonhos pode ser a moça de mãos suaves que embala um presente de criança no balcão. Uma prima, até então, desconhecida que morava em Roma, mas, resolveu dar as caras, comparecer ao batizado. Com o acaso não se brinca. Muito menos com os ocasos. Crepúsculos são fenômenos naturais, mornos, carregados de muita cor, beleza e certo grau de melancolia. A mulher dos seus sonhos pode ser a proletária que acorda cedo, uma boia-fria que prepara marmitas, a fim de ter força suficiente para matar um leão por dia. A mulher dos seus sonhos pode ser a diarista com cheiro de sabão, as mãos arruinadas pelo esmalte descascado das unhas, alguém com quem você quererá morar junto pelo resto da vida. Você nem calcula: resto da vida é tempo pra cacete! A mulher dos seus sonhos pode ser aquela que embarca de ônibus, de táxi, de van, uma moça esguia que pedala pela ciclovia, alguém que se interessa em projetos a dois. Dá pra contar nos dedos os amores que se salvam. Muitos são atropelados na faixa nos primeiros meses de vida. Sabe-se lá o que reserva o destino: mais do que o trânsito, as relações interpessoais andam caóticas.

Tente enxergar sob a minha ótica: dizem que o amor é cego. Ora, nesse exato instante em que confabulo sobre o exercício de amar, a mulher dos seus sonhos pode ser aquela que sofre de insônia pensando noutro alguém, um sujeito que não cheira, nem fede, um camarada que não entrou nem na “Quadrilha”, de Carlos Drummond de Andrade enquanto os carneiros dormiam. Quem nunca pulou a cerca que levante a patinha! O amor é um quebra-cabeças, caro leitor. Peças sobre o tabuleiro. Um involuntário jogo de xadrez em que os integrantes, se não cegos, no mínimo, são míopes. A mulher dos seus sonhos pode ser aquela oftalmologista elegante, com cheiro agradável nas axilas sem pelos, uma fêmea de corpo escultural, com pós-doutorado em “retinas tão fatigadas”, que pinga colírio nos seus olhos. Olha só, o poema não está no olfato, aliás, o problema não está no olfato. Eu sei, ela sabe. Seria um castigo terrível perder a visão, perder a cabeça por um amor sem futuro. Nunca se sabe o que o presente nos reserva. Histórias reais, capturadas a partir dos diários dos mentecaptos queimados vivos na Idade Media, dão conta que, até mesmo, os carrascos perdiam a cabeça pelas suas vítimas. Parece piada, mas é história. Não se deve rir das inúmeras possibilidades de amar, conquanto muitas pareçam estrambólicas, esdrúxulas, como se apaixonar por pessoas desconhecidas que já morreram faz tempo. Cuidado! Retrato na estante, perigo constante. Certa feita, fui atropelado pelo olhar cândido e misterioso da tataravó de um amigo.

A mulher dos seus sonhos pode ser a dona de casa, a ribeirinha que lava roupas nas pedras da correnteza. Paixões não correspondidas flutuam, escorrem para o mar, como a espuma e o cuspe. Quase ninguém dá a mínima. A mulher dos seus sonhos pode ser uma recordista mundial de nado sincronizado que foi flagrada no exame antidoping e perdeu a medalha de ouro olímpico. Nunca se sabe. Nem mesmo os deuses do Olimpo, se eles não passassem de mais uma das incontáveis fraudes criadas pelo ser humano para suportar os revezes da vida, saberiam dizer.

A mulher dos seus sonhos pode ser a bibliotecária com pernas de louça que faz você babar sobre o tratado de anatomia humana, uma criatura adorável, com beleza acima da média, que se equilibra na escada, na ponta dos pés, enquanto procura por “Crime e Castigo”. Não fique fera comigo. Pode ser que a mulher dos seus sonhos prefira ler fanzines, comer maçã-do-amor em feiras agropecuárias e nunca tenha ouvido falar em Dostoiévski. Somos dois. Aliás, somos vários. Eu também não li “Crime e Castigo”, dentre outros clássicos da literatura mundial. Antes de não morrer de amores por você, eu preciso confessar: em matéria de educação, cultura e bons modos, não sou a última Coca-Cola gelada do deserto.

Por falar em bebidas, a mulher dos seus sonhos pode ser uma bartender que lhe prepara uns drinks, que ouve as suas histórias vazias de bêbado, que comenta que você já bebeu demais, que devia dar um tempo e ir embora para casa dormir. A mulher dos seus sonhos, pode ter certeza, não vai lhe deixar pregar os olhos. Pode ser que ela seja a moça simples, nascida e criada no interior do país, alguém que nunca voou de avião, não possui Instagram e jamais viu o mar. A mulher dos seus sonhos poderá ser, não duvide, uma cidadã ordinária, uma humilde companheira com Ensino Médio Incompleto, uma amante completa, impensável, que vai fazer você navegar impreciso por mares nunca dantes navegados.