O que ler Paulo Coelho revela sobre você

Curiosidade não faz mal a ninguém. Aliás, é dever de que escreve, na linha de um conselho de Washington Olivetto para publicitários: publicitário tem que ler de tudo, desde a revista “Contigo” até Nietzsche. Isto posto, já li Dan Brown e E.L. James, dois grandes autores de best-sellers. Felizmente foram os únicos best-sellers que li, na vida. Dia desses tentara ler “O Negociador”, de Frederick Forsite. Li umas 30 páginas e parei. Mas é um excelente passa tempo; algo como assistir 007 no cinema.

Mas nunca li Paulo Coelho. Minto: li a primeira e a segunda páginas de “O Alquimista”. Não senti nada. Minto de novo: senti-me um adolescente. Preconceito? Ah, não! Também li “O Pequeno Príncipe”, de Saint-Exupéry, e recomendo não só às crianças e aos adolescentes, mas também aos adultos e aos velhos. É de uma pureza cativante. O que quero dizer é que Paulo Coelho (ou a indústria cultural) parece escrever para adultos tratando-as como adolescentes. Isso ofende a inteligência de quem lê! É como se o best-seller dissesse que você não é capaz de ler e compreender um texto mais elaborado. Não fique estressado. Se realmente não for capaz, me desculpe por eu ingenuamente estar aqui insistindo na sua inteligência superior.

A maior artimanha de um best-seller é chamar o leitor de incapaz e este nem perceber, e ainda sair em defesa do instrumento que o subestima. Faça uma analogia com a escola: para você subir de grau não é necessário encarar sempre um conteúdo mais difícil? Do jardim da infância à faculdade você não sai do bêabá até conseguir articular uma redação com começo, meio e fim? Não há escolha se quiser progredir, se quiser ampliar seu conhecimentos, se quiser saber mais, conhecer mais.

Tamanha lucidez deveria se aplicar à literatura. A literatura água com açúcar, de best-seller, é o que há de mais básico e elementar. É o bêabá dos livros, o jardim da infância dos livros. Mas então é como uma criança que o leitor se vê? Já pensou nisso? Pode não ter pensado a respeito, mas a indústria cultural, essa grande Matrix da sociedade moderna, pensou por você (este é o risco). É um condicionamento. A coisa funciona.

Bom, mas você diz que gramática ou matemática é útil, enquanto literatura não, e que portanto é indiferente ficar no nível básico. Ao contrário de literatura, gramática ou matemática você aprende porque precisa percorrer um caminho. Precisa chegar à faculdade e se formar, ser alguém na vida, ao invés de ficar para sempre no beabá. Mas, literatura? Por que alguém precisa, de pouco em pouco, se submeter a textos cada vez mais complicados, como faz com as disciplinas escolares? Porque não basta ficar no jardim da infância? É sem dúvida conveniente. Pessoas condicionadas estabilizam o sistema. São fáceis de guiar. É pra isso que existem novelas, programas de auditório, best-sellers.

Ao objetar que a literatura não é útil como português e matemática, você resume os livros a passa-tempo. É uma distração, apenas. Em seu conceito ela só interessa se pegar leve. Há aspectos da vida, um tanto incômodos ou perigosos, que o entretenimento barato extirpa. Tá vendo como os best-sellers são limitados? Não sou eu quem digo: são suas expectativas em torno da literatura, ao pretender que sejam apenas leves e descontraídos. Suspeito que se a literatura não fosse útil, livros não seriam queimados ou proibidos por regimes autoritários e totalitários. “Queimar livros e erguer fortificações é tarefa comum dos príncipes”, diz o imperador amarelo Shih Huang Ti, em “A Muralha e os Livros”, de Jorge Luis Borges.

Borges se refere ao perigo representado por livros que fazem o leitor pensar, questionar. Aquele tipo de livro que só quem superou o beabá e aprendeu a escrever uma redação entende. Nunca ouvi falar que tais autores escreveram best-sellers. Pelo menos, que eu saiba, Cabrera Infante, Alexander Soljenítsin ou James Joyce e Nabokov nunca escreveram para o jardim da infância. Sintomaticamente foram proibidos. Incomodaram. Atentaram “contra os costumes”. Seriam “influências perniciosas”. Foram tachados de “perigosos” pelo Estado. Está em suas biografias.

Será por que razão o Estado teme que autores assim sejam lidos? Não, não é porque eram e continuam “chatos”. Não subestime a própria inteligência. Eu realmente não subestimo.