A vida é uma guerra em que não importa vencer. Viver é um soco no estômago

A vida é uma guerra em que não importa vencer. Viver é um soco no estômago

Tem dias em que acordo e não encontro o otimismo que tanto prezo. A rotina de mais uma lida se inicia e entro num estado de automatismo. Simplesmente, lavo o rosto e o sono; passo cremes e filtro solar; esquento o leite e faço café. Deixo o abismo me engolir junto às notícias de acidentes, mortes e corrupção.

Poderia dizer que esse desânimo é por causa das desgraças que invadem a minha sala pelo telejornal da manhã. Poderia dizer que são os hormônios. Poderia justificar que dormi tarde na noite anterior. Poderia culpar alguém por isso. Poderia sentir raiva do mundo. Poderia perder a fé. Poderia tantas coisas que, agora, não posso. Tenho que sair de casa para não me atrasar.

Enquanto dirijo, vou pensando nas coisas da vida. Por um instante, percebo que está tudo bem. Tenho emprego, casa, comida, saúde e família. Sou privilegiada nesse mundão de tanta gente que sofre terríveis desgraças. Porém, algo me inquieta: são somente essas as coisas que realmente importam?

Sim, claro, elas importam; mas nada disso ganhará dimensão se eu me perder de mim. Por um momento, tento esquecer tudo. Simplesmente penso na existência das coisas, mas sem tentar entendê-las. Cada coisa é o que é (inclusive as que não posso mudar). Não preciso de fatores externos (como o julgamento e a aparência). Tento esvaziar minha mente e sentir o presente, deixando de lado qualquer culpa do passado e ilusões do futuro. Fecho os olhos da visão e abro o olhar que vem de dentro. É aqui que estão minhas verdades: a realidade do que importa.

Olhar para dentro da gente não é fácil. Por isso, muitas vezes caímos na rotina — é a melhor forma de camuflar os sentimentos. É assim que as pessoas também se acovardam.

O mundo, como disse Sylvester Stallone (sou fã!), não é um grande arco-íris. “O mundo é um lugar sujo, um lugar cruel que não quer saber o quanto você é durão. Ele vai te colocar de joelhos e você ficará de joelhos para sempre, se você deixar.”

Nunca sabemos o que vem pela frente. Um dia, a vida é repleta de confiança: alguém se apaixona, o filho nasce, o trabalho é empolgante, o sonho se realiza. Porém, de repente, esta vida se torna tempestade incompreendida: o relacionamento se desfaz, alguém morre, perde-se o emprego, o sonho vira desilusão.

Tem dias em que a gente acorda e não encontra otimismo. Aquele que deveria estar ao nosso lado partiu. Roubaram-nos a esperança. Derrubaram as nossas certezas. Já disse Guimarães Rosa que a vida é assim mesmo, ela “esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”.

Coragem para olhar o que está dentro da gente e nos permitir sentir a nós mesmos. Coragem para recuperarmos a fé, para aceitarmos opiniões contrárias às nossas e para dizermos o que está preso na garganta. Coragem para levantar da cama e começar tudo de novo.

Porque coragem é o coração dizendo que precisamos reiniciar a vida após a tragédia. Mas não se trata de bater duro com a vida, sabemos que ela é injusta e nos fará sofrer. Mais importante é o quanto nós aguentamos apanhar e seguir em frente. O quanto somos capazes de suportar e continuar tentando.