Como sacudir a poeira e seguir caminhando de queixo erguido

Como sacudir a poeira e seguir caminhando de queixo erguido

Os alemães costumam dizer que “a vida não é uma fazenda de pôneis” (Das Leben ist kein Ponyhof). Não que uma fazenda de pôneis seja lá um lugar a se ter como objetivo, mas certamente é mais doce e terna do que a realidade da maioria. Trata-se de um jeito simpático que esse povo pragmático — berço de grandes filósofos da história — encontrou para dizer que não é fácil para ninguém.

Na acidez de um mundo sem pôneis, tanto caímos e nos erguemos que, vez ou outra, há dúvida de que conseguiremos ficar em pé sobre as próprias pernas e chegar até o final. É fácil sentir que não valem a pena os contratempos meio sem sentido que aparecem desbarrancando o caminho, e a graça da vida se esvai por um tempo: no término de um relacionamento, na perda de um ente amado, no arrependimento por aquele segundo, na frustração de tentar de novo e não conseguir… Subitamente, faltam graça, sentido e pôneis. Essa hora infame costuma passar apenas quando se bebe de uma fonte escondida, por vezes meio turva e fugidia, moradora dos recôncavos individuais: a serenidade. Mas só há serenidade quando se aprende a viver de presente. A vida é só agora.

De vez em quando, há de se dialogar com os gregos para que nos lancem uma luz capaz de cruzar as eras. Diziam eles que o passado e o futuro, por não existirem de fato, são as duas maiores armadilhas que impedem o homem de viver uma vida boa. Seriam apenas abstrações que não nos deixam habitar o presente.

É difícil reduzir tudo ao presente, dura pouco demais e parece encolher a importância do homem, em toda sua dor e alegria, colocando-o implacavelmente diante de sua pequenez. Fazemo-nos planos tão grandes que, quando algo sai do lugar, pensamos ser fracassados. O primeiro medo de um humano é o de ser pequeno, menor do que seus planos. A compreensão de que nada há além de agora o coloca num pote limitador de possibilidades.

Sabedor dessa mesquinharia, o popular filósofo francês Luc Ferry releu o que diziam os gregos e concluiu que “só se atinge a felicidade vencendo o medo”. O medo paralisa, torna-nos egoístas e bloqueia a liberdade. Medo de morrer, de não ser capaz, de ser pequenino demais… Vencer o medo é o primeiro passo para a serenidade e esta é o que há de mais próximo do que se chama felicidade.

Serenidade implica entender que a grandeza das coisas só é percebida quando existe uma comparação, mas que não se pode viver de ficar comparando tudo. Sabe-se que a Terra é pequena, porque se descobriu o universo, mas, por muito tempo, ela em si foi tida como universal. Não se pode ter medo de estabelecer algumas comparações na própria vida. É preciso compreender a dor do tombo para adquirir a faculdade mental de reconhecer o gozo de se reerguer. Pronto. Que esse passado só sirva de comparação para o momento presente (nossa única verdade) e não como prisão perpétua. Por vezes, teimamos em fazer das quedas uma areia movediça, promovendo polvorosa onde deveria ser só instante.

O sábio é aquele que encontra seu lugar no mundo. Buscar serenidade pressupõe vencer o medo de o presente não ser suficiente. Ele basta. É deixar residir no passado aquilo que lhe pertence, aprender com ele da melhor forma possível e apenas manter-se ciente de sua existência. Como um homem que disse colecionar as pedras no meio do caminho para com elas construir um castelo. Criar morada no tombo é minar a chance da serenidade.

“Então, de repente, no meio dessa desarrumação feroz da vida urbana, dá na gente um sonho de simplicidade. Será um sonho vão?”, perguntou Rubem Braga. Talvez não, Rubem. Simplicidade e serenidade podem estar aqui agora.

Só agora.