‘Deixar para amanhã’ é a maneira mais eficiente de jogar a vida fora

‘Deixar para amanhã’ é a maneira mais eficiente de jogar a vida fora

Foi uma semana de lindos dias de sol. Na segunda-feira propus a mim mesma: vou sair cedo do trabalho e aproveitar a praia. Não me organizei e não consegui. Na terça decidi acordar antes do usual, só que me atrasei. Tranquilo, pois na quarta daria certo. Não deu. Na quinta e na sexta me enrolei assistindo TV, no sábado fui ao shopping e demorei mais que o previsto, mas no domingo era questão de honra cumprir meu propósito. Acordei e coloquei o biquíni, radiante porque finalmente iria me esticar na areia sem pressa, me jogar no mar em festa!

Choveu. Eu cheguei a ouvir o sonoro “fuen fuen fuen fuen” vindo dos céus.

Não se trata aqui de um passeio trivial que não aconteceu ou da minha falta de vitamina D, que tem me prejudicado. Trata-se do hábito incorrigível que muitos temos de adiar felicidade como se a vida estivesse sempre disposta a nos devolver no futuro os momentos que hoje negligenciamos. O problema é que se por um lado a vida é generosa e oferece a possibilidade de recomeço, por outro ela é implacável quando resolve dizer: “passou. Já era”.

É a dieta que precisa ser feita, mas a gente deixa pra depois da Páscoa do próximo ano bissexto, a viagem dos sonhos limitada às consultas no Google, a ligação para o amigo distante engolida pela correria insana do dia a dia… é o nosso jeito de nos sacanear jogando pra frente ou pra nunca os elementos necessários para colorir um pouco esse cotidiano cinza.

Há um ano meu padrinho faleceu. Era saudável. Um dia caiu no banheiro, quebrou o fêmur, foi internado e morreu. Foi um desses episódios que esfregam na nossa cara a inexorável fragilidade de quase tudo. Foi a dor sorrateiramente condenando nossa imaturidade que posterga para um futuro abstrato os afetos que clamam pelo agora.

Após o velório nossa família se reuniu. Estávamos todos juntos de um modo que natais e aniversários não haviam conseguido fazer. Começamos a relembrar histórias antigas e rimos como se uma mágica nos transportasse de dentro da ferida para um instante feliz. A certa altura minha mãe soltou: “seu padrinho iria adorar todos aqui”.

Iria, mas morreu. E precisou morrer para nos reunir. Ele tinha 86 anos. Mas nossos amigos de 20 também se vão. Você pisca e a banda preferida acaba, os filhos crescem, a promoção da loja passa… chove no domingo que era pra ser de sol! É bonito olhar adiante, acreditar que amanhã as coisas podem acontecer. Mas para que aconteçam amanhã é preciso uma boa e urgente dose de presente.