O que dizer quando faltar assunto dentro do camburão da polícia federal

O que dizer quando faltar assunto dentro do camburão da polícia federal

— Vó, por que o vovô tá sendo preso? , pergunta a menininha.

— Vovô não está sendo preso, minha filha. Foi passear de ambulância com os amigos. De ambulância preta. Você viu só que bonita?

Imóveis na calçada, cada qual decepcionada à sua maneira, viram quando a viatura sumiu na curva, ao dobrar a esquina da Pegasus com a Caralho-de-Asas. A garotinha ficou com os olhos marejados. Nem sei como a avó não se afogou neles de vergonha. Mesmo miúda, a guria entendia sim, senhora, que vovô tinha feito alguma coisa errada e era coisa graúda.

— Vocês foram bem legais comigo. Obrigado por não me algemarem na frente da minha neta e da minha esposa, disse o velho, mais pálido que as panturrilhas da Scarlett Johansson.

— Não há de que, deputado, respondeu o Agente 1, um sujeito grandalhão, com cara de Stallone Cobra, que dirigia a viatura como se não estivesse conduzindo Miss Dasy.

— Pra onde vocês vão me levar?

— Pro aeroporto. E, do aeroporto, pra Curitiba. O que tem de autoridade voando pra lá nos últimos dias tá uma festa. Essa “Operação Cu-Na-Reta” tá dando o que falar. Já tem um bocado de gente enjaulada, ele disse.

Todos riram dentro da viatura, exceto o parlamentar, por motivos óbvios.

— Posso fazer uma ligação?

— Só depois que chegarmos à sede da PF, Excelência. Não é permitido. Coisas de regulamento, o senhor sabe, explicou o Agente 2.

— Posso fumar um cigarro, então? Ou vão me dizer que fere o regulamento também?

— Vejam só. Os senhores aprovam no Congresso Nacional a porcaria de uma lei proibindo a gente de fumar em recintos públicos e fechados, e agora vêm com esse papo de querer fumar dentro da viatura policial? Sem noção, deputado. Solicitação negada, retrucou o Agente 3.

O Agente 2 percebeu que o parlamentar tremia como um zagueiro na marca do pênalti.

— Quer que eu aumente a temperatura do ar condicionado, deputado? O senhor tá tremendo…

— Tô tremendo de raiva, meu chapa. Quanta trairagem. Isso não se faz. É muita perseguição. Um homem da minha idade, com a ficha corrida que eu tenho na política. Depois de tudo o que eu fiz pela nação. Odeio o povo brasileiro. Odeio essa pobreza de merda.

— Tem provas pesadas contra o senhor no inquérito. Vai ser difícil explicar, argumentou o Agente 1.

— Sou inocente e vou provar. Deus sabe que não fiz nada ilícito. Deus é pai.

— Sinto dizer que juiz da operação é ateu até as tripas, deputado. E em ateu,
o senhor sabe, em ateu não dá pra gente confiar nem fodendo, disse o Agente 1.

Quase todos riram novamente, inclusive o deputado da bancada maniqueísta. O Agente 3, não. Ele era mais um daqueles sujeitos que não cria em porcaria nenhuma, a não ser em pistolas automáticas e nas jovens streapers fleumáticas da Scandallo.

— Vocês ficaram sabendo? O Dylan ganhou o Prêmio Nobel da Paz, disse o Agente 3.

— Quem é Dylan? O Dylan Thomas morreu já faz um tempo. Aliás, que ironia do destino: vocês me prenderam justamente no Dia do Poeta. Bá! Que se dane a poesia! Isso não enche barriga de ninguém. Eu gosto de ler é extrato bancário, retrucou o deputado.

— Bob Dylan, o cantor folk norteamericano, emendou o Agente 3.

— Não foi o Nobel de Literatura? , perguntou o Agente 1.

— Acho que foi o Grammy, disse o Agente 2.

— Grammy ele já ganhou um monte, comentou o Agente 3.

— Se ele ganhou ou se ele perdeu, não não me diz respeito. Só sei que eu, sim, perdi uma trepada e tanto hoje à noite. Eu tava doido pra derrubar aquela advogada do Bica D’água, o traficante de órgãos genitais que a gente buscou em Xuranha do Norte, disse o Agente 1.

— A mulher é uma cavala mesmo. Sou testemunha disso. O rabo mais bonito que já pisou na PF nos últimos tempos, disse o Agente 2.

— Se eu não perder o jogo do Palmeiras, já estará de bom tamanho. Cara, como sempre acontece, tão fazendo de tudo pro Flamengo levar esse campeonato. Tá foda. Tão roubando descaradamente. Alguém devia enquadrar esses caras, disse o Agente 3.

— Eu tava querendo mesmo era caçar. Esse negócio de prender neguinho do colarinho branco não tá com nada. Tô doido pra descarregar o pente no lombo de vagabundo, fazer faxina, se é que me entendem, disse o Agente 2.

O bom humor prevalecia dentro da picape. Então, os homens de preto riram ao ponto de quase urinarem no uniforme. Pra falar a verdade, àquela altura da viagem, o preso já tinha se calado, já tinha parado até de respirar. Cambaleou feito um boneco de pano e caiu com a calva no colo do Agente 3. O ateu cabeludo (ele parecia o Highlander) levou um susto.

— Opa! Boquete agora não, Excelência!

Riram pela última vez naquela primaveril manhã ensolarada. Nenhuma nuvem no céu. Nenhum homem honesto no chão. Um belo dia para se fazer o que desse na telha: prender alguém, assaltar um banco, perder a virgindade, ganhar uma rifa, escrever um texto. Eu, um homem impudico e ordinário (leia-se, comum), tratei logo de escrever essa histérica história. O deputado tivera, felizmente, um ataque fulminante em qualquer órgão importante dentro do peito, pois caiu desfalecido sobre os bagos da autoridade policial. O Número 1 tocou prum hospital o mais rápido que podia. Não teve jeito. O velho usurpador do erário estava mais morto que a minha esperança por homens melhores.