Outubro rosa respingado de sangue

Outubro rosa respingado de sangue

Quem mata mais mulheres no Brasil: o câncer de mama ou os homens? Isso não é um conto de fadas. Era uma vez, nos primórdios da Era Cristã, na região da Sicília, Itália, uma jovem linda e recatada (seria ela do lar?) chamada Agatha foi condenada pelo imperador Décio (perseguidor contumaz de cristãos) a ser torturada até a morte. Por questões de ordem passional e religiosa, o déspota ordenou aos guardas que a despissem, arrastassem-na sobre cacos de cerâmica e brasa viva, e mutilassem as suas tetas, arrancando-as com o adjutório de alicates e outros instrumentos perfuro-cortantes disponíveis para o recreio da tortura.

“ — Não te sentes envergonhado, filho-da-puta, (confesso que o palavrão aqui vai por minha conta e risco) em mutilares um órgão do qual tu mesmo, quando criança, fizeste farto uso, ao te alimentares no colo da tua mãe?” , ela teria dito, num derradeiro átimo de rebeldia e coragem, após ser sentenciada com a crudelíssima pena. O apelo de nada valeu. Crápulas não sofrem de escrúpulos. Então, Agatha, a virgem cristã, foi levada à masmorra, algemada e brutalizada pelos carrascos, conforme o repertório do rei. Nos dias de hoje, Santa Agatha é venerada como a Santa Protetora das Enfermidades Mamárias e considerada a padroeira da Mastologia (especialidade médica que lida com as doenças das mamas).

E por falar em saúde (ou da falta dela), no mês de outubro, ocorre um engajamento do Governo, das entidades médicas, da sociedade civil e da mídia, em prol da saúde das mulheres. O Outubro Rosa consiste numa campanha mundial para a conscientização das mulheres e da sociedade em geral, com a finalidade de alertar para o risco do câncer de mama, buscando o diagnóstico precoce, o tratamento célere e a cura. De acordo com estatísticas oficiais e familiares, é o tumor que mais mata mulheres no mundo. Mas, insisto, quem mata mais mulheres no Brasil: o câncer de mama ou os homens?

Provocação. Era só o que me faltava. Mulher torturando mulher. Criança torturando criança. Divulgaram as cenas nos telejornais e nas redes sociais. Eu não quis olhar. A curiosidade mórbida não me move. Por onde quer que se vá, todo mundo comenta essa barbárie, portanto, não teve outro jeito: contaram-me que na cidade de Trindade, Goiás (longe pra cacete da Sicília), terra do Divino Pai Eterno, onde se reza muito, mas se come uma pizza de calabresa horrível, um bando de adolescentes (todas elas garotas menores de 16 anos) sequestraram, prenderam e torturaram, com requintes de gente grande, uma rival de apenas 14.

O acerto de contas foi feito no quintal de casa, com uso de porretes e até uma machadinha. Ora e essa! E eu que pensava que só os moicanos usassem machadinhas. Enfiaram um absorvente sujo na boca da menina para que ela não gritasse. Não deu certo. A vítima vomitou. Daí, apanhou mais, “pra deixar de ser fresca”. O quarteto abilolado filmou a coisa toda. O plano consistia em assistirem ao filme mais tarde, comendo pipoca e tomando guaraná. Um sujeito abriu o smartphone sobre o balcão ensebado da lanchonete e, enquanto cuspia perdigotos sobre mim, insistiu para que eu conferisse aquelas “cenas horripilantes”. Ora, se eram tão horripilantes assim, por que o besta ainda as compartilhava? Sou mais burro que um telefone celular, creiam. Então, terminei o meu café o mais rápido que pude e caí fora. Eu já tinha raiva o suficiente da humanidade. Pra quê mais?

Sosseguem. A guria não morreu; a minha esperança, por outro lado, já anda até fedendo. A menina conseguiu escapar e pedir ajuda na rua. A gangue de molecas foi apreendida. Confessaram os crimes. Contaram à delegada que a taca foi merecida, sim, só que o plano tinha dado merda. Lamentaram o fato da vítima ter sobrevivido. “Não se mexe com o namorado da outra”, justificaram. Não sei quanto a vocês, mas, eu não me senti nem um pouco convencido. Aliás, não faço ideia de como a justiça brasileira, através do Estatuto da Criança e do Adolescente, pretende lidar com as mocinhas de Trindade. Suponho que orar e acender velas para o Divino Pai Eterno será ineficaz.

Sinto muito, leitores. Preciso encerrar o texto aqui. Eu me excedi na quantidade autorizada de caracteres. Exigências do editor, sabem como é. Juro que eu queria responder pra vocês, sem titubear, quem mata mais mulheres no Brasil, se o câncer de mama ou os homens. Acabei desvirtuando o assunto ao escrever sobre as meninas más, ainda que mulheres. Eu estraguei tudo, podem apostar. Eu queria falar de amor. Não deu. Espero que me perdoam. Se não puderem me perdoar, que se danem. Sou homem e, homens, vocês sabem, costumar agir com violência. Ora, quem anda ensinando meninas a agirem como se homens fossem? Enquanto a resposta não chega, caras senhoras, cuidem bem das suas mamas.