Quanto mais convivo com os gatos, mais aprendo sobre os humanos

Quanto mais convivo com os gatos, mais aprendo sobre os humanos

Se antes de adotar minhas gatas eu nunca tinha pensado em viver com felinos sob o mesmo teto, imagine, então, criar uma conta no Instagram para as gatinhas. Elas seguem gatos do mundo inteiro e são seguidas por eles. Descobri que são muitas as contas que postam fotos e vídeos do dia a dia dos seus gatos, com a curiosidade de as legendas serem o que os bichanos estão “dizendo” ou “pensando”. Mostrei a conta do Instagram para minha amiga e ela riu: o que os outros gatos “escrevem”? Respondi: Meaw.

É divertido, por um lado, conhecer gatos de diferentes países que fazem as mesmas coisas que os seus: dormem na sua perna, agarram-se na cortina, derrubam objetos da mesa e se escondem deixando o rabo à vista. Mas, por outro lado, os perfis dos felinos me fizeram refletir sobre algumas atitudes exageradas dos humanos.

Li que há certa preocupação da Medicina Veterinária com a humanização dos animais domésticos. Gostamos dos bichos e isso é naturalmente saudável. Mas, se estivermos buscando suprir nossa carência afetiva com cães e gatos, estamos colocando esses animais sob risco. Eles passam a sofrer as mesmas doenças que os humanos sofrem, como agressividade, hiperatividade, depressão e comportamento antissocial.

Tomo como exemplo o banho das minhas gatas: elas odeiam. Quando fui ao veterinário pela primeira vez, perguntei se era preciso dar banho nas gatinhas e ele respondeu que não, pois gato é o animal mais limpo que existe, mas, se eu quisesse, poderia dar o banho acostumando-as desde cedo. Os primeiros banhos já mostraram que Charlotte e Sofia não curtiam a ideia, e, além disso, ainda tinham medo do barulho do secador de cabelos. Uma vez, resolvi levá-las para tomar banho no Pet Shop. Elas voltaram perfumadas, enfeitadas com laços elegantes no pescoço, adesivos de flores nas orelhas e totalmente estressadas.

Se gato é um bicho limpo, para que dar banho nele? Para postar vídeos e fotos engraçadinhas nas redes sociais? Não. Minhas gatas nunca mais serão colocadas em uma bacia com água morna e sabonete líquido para pets. Prefiro o perfume natural delas, e sem estresse.

Às vezes, sinto um pouco de culpa por criar as gatas em um apartamento, onde as janelas com telas de proteção as impedem de sair. “Parece uma prisão, tirei a liberdade delas” — penso. Mas li em uma revista especializada que gatos criados por humanos podem viver até 16 anos (alguns, até mais). E que os gatos de rua vivem no máximo três anos (ou menos), pois são atropelados, pegam várias doenças ou são mal tratados por pessoas de coração ruim.

O antropólogo francês Marcel Mauss disse que “o gato é o único animal que conseguiu domesticar o homem”. O gato é observador. Curioso. Age com cautela. Seus olhos carregam mistério. Ele vive na dele, não fica pedindo amor — e, ainda assim, o gato ama com fidelidade. Não precisa de curtidas e likes, não se importa com que os outros pensam sobre ele. No poema “Ode Ao Gato”, Arthur da Távola escreveu: “o gato não satisfaz as necessidades doentias do amor. Só as saudáveis”. Nós ainda temos dificuldade de amar sem dependência. Somos carentes e possessivos. Impacientes. Queremos amor retribuído, amor garantido. A pessoa, por mais segura que seja, precisa ter certeza de que está sendo amada.

Tenho me questionado a respeito disso tudo: será que o gato quer ser tratado com tanta dependência, como um humanozinho?

Não cancelarei a conta das minhas gatas no Instagram. Continuarei enxendo-as de afagos e beijinhos. Mas, a partir de agora, buscarei respeitar os limites que separam o ser humano do animal: a simplicidade. Gato não tem necessidade de usar joias ou frequentar SPAs. Gato não liga para roupinhas, laços ou gravatas — se ele não reclamar de usar, tudo bem. Entretanto, se o bichano ficar incomodado com essas superficialidades, insistir com isso é pura vaidade humana.