Deu febre? Quebre o termômetro!

Deu febre? Quebre o termômetro!

A todo instante os veículos de comunicação de massa despejam cachoeiras de notícias em nossos lares sobre os desastres do clima ao redor do mundo. São nevascas glaciais, chuvas despejadas provocando enchentes diluvianas, montanhas que surfam ladeira abaixo arrastando tudo o que há pela frente, regiões assoladas pela seca, incêndios descontrolados, ventanias descomunais, derretimento das calotas polares, morte coletiva de corais, proliferação de algas venenosas, desertificações de áreas agricultáveis, desaparecimentos de elos da cadeia ecológica. O homem, esse bicho da terra tão pequeno, como diria Camões,  se vê impotente diante de tanta rebeldia do clima.  O aquecimento global é o culpado recorrente de todos esses males que nos atribulam nesta fase geológica. 

Mas em verdade, o que é esse aquecimento? Há teorias para todos os gostos e conveniências. O ex-presidente neoconservador George W. Bush, por exemplo, se filia a uma ideia de que se trata de um fenômeno natural e cíclico, sobre o qual não podemos exercer nenhuma influência. Barack Obama, que é do partido contrário, mesmo não se filiando ostensivamente a essas ideias, pouco tem feito em favor do clima. Está muito mais é interessado é em retirar o gás de xisto, ainda que isso provoque terremotos e arruíne as nascentes que ainda mantém algumas doses de água pura.   E mais: estaríamos vivendo o fim da História nos moldes defendidos por Francis Fukuyama, ao repisar Hegel, e caberia ao Império americano não assinar o Protocolo de Kyoto de redução do efeito estufa, mas investir na caça a Bin Laden (e se estabelecer no Oriente Médio) e na espionagem generalizada. Com a primeira ação se debelaria do mal imediato e com a segunda criaria oportunidades de negócios para tirar os EUA do buraco. Sem contar que estaria unindo o útil ao agradável (na visão de Fukuyama): cumpriria as profecias milenaristas, atenderia às empresas dos patrocinadores de campanhas políticas, além de suprir o mercado americano de combustível. O realismo alucinado e fatalista é recorrente na história. Essa coisa de preparar o  mundo para um reino de mil anos de paz e harmonia, nos moldes apregoados pelo cristianismo primitivo e, sobretudo, medieval. Uma mistura filosófica com desvio supersticioso, muito parecida com o amálgama que levou Hitler a empreender o seu malfadado III Reich.

Para os pesquisadores mais pé-no-chão, o aquecimento global nada mais é do que a febre de um organismo vivo em condições de enfermidade. A febre não é a causa primeira de um problema clínico, mas um mero sintoma. A Terra está infeccionada pelos ataques de micróbios. A Terra simplesmente aciona seus piócitos, seus mecanismos de defesa, na busca de equilíbrio com seus agressores. Neste momento, somos os micróbios da Terra. Camões pensou o homem como bicho da terra tão pequeno, mas não nos supôs tão nocivos assim.

Qualquer vivente, que se encontre em condições clínicas semelhantes às da Terra, tem dois caminhos extremos a seguir: ou agiganta suas defesas e debela os agressores, recobrando o equilíbrio corporal, ou fraqueja e a doença avança para a septicemia, acabando por se aniquilar perante a moléstia. Vale lembrar que a primeira hipótese é extremamente dispendiosa para o Homo sapiens, pois nos levaria a uma mortandade enorme, talvez só comparável com a peste negra na Europa, durante a baixa Idade Média, quando três pessoas de cada quatro se defuntaram. A segunda hipótese, entretanto, é simplesmente letal para a espécie. Uma vez que, estiolada a biosfera, esta delicada bolha de amenidade que envolve o planeta e dá sustentabilidade aos biomas, seríamos não três, mas quatro de cada quatro que iríamos pro além do beleléu.

Entre as duas hipóteses extremadas, vários arranjos intermediários seriam (serão?) possíveis, com menores dispêndios para as partes envolvidas. Os desenvolvimentistas, sejam os recalcitrantes apóstolos do mercado, sejam os milenaristas esperançosos do quiliasmo (mil anos de paz e harmonia promovidos por forças ocultas do além) não querem nem saber de botar o pé no freio, de procurar soluções alternativas, nem de reduzir os atuais patamares de consumo.

Aliás, a vontade deste segmento, por razões que até podem divergir, é estender os hábitos perdulários de consumo a maiores contingentes ao redor do globo. Os milenaristas, porque estariam dando a sua contribuição para a entrada das condições do novo reino. Os mercadistas porque estariam engordando os resultados de seus balancetes, não se importando com o iminente esgotamento dos recursos naturais. As empresas desses capitães até fazem eventuais campanhas de preservação e sustentabilidade, mas é só para passar mel na boca dos incautos.

Os desenvolvimentistas moderados apostam na substituição gradativa da atual matriz energética à base de combustível fóssil e altamente poluidor, por fontes renováveis e limpas. Acreditam em novas descobertas que possam otimizar os recursos naturais e amenizar os impactos desastrosos da ação do homem sobre o ambiente. Apostam ainda numa revolução cultural com drásticas mudanças nos hábitos de consumo, com cada ser humano se convertendo numa unidade fiscalizadora da preservação ambiental. Há, sem dúvida, um trabalho de Hércules pela frente.

Os “verdes” apostam numa regressão tecnológica, com o Homo sapiens retrocedendo a uma agricultura orgânica, a uma vida campeira, idílica, quase edênica, acendendo velas de trapo e cera para afugentar a escuridão e os insetos renitentes, e colhendo com a mão a pimenta e o sal, como na música de Zé Rodrix.

Os catastrofistas manifestos sonham pelo menos em contar com a sorte de superar o baque do apocalipse que se avizinha e aproveitar o rescaldo dos biomas despedaçados, numa paisagem pós-escatológica de ferro-velho, ao estilo Mad Max.

E há a massa. A grande massa de alegres incautos, que somos nós outros, correndo atrás das metas comerciais estabelecidas por gerentes gananciosos e escravos de uma engrenagem ríspida. Estes vão contentes, do contentamento de zebu estabulado. E esperam sempre o melhor, mas estão prontos para o que der e vier. Porque o que vier e der não será por outro motivo senão pela vontade de Deus.

E assim vamos nós fazendo piqueniques à beira do vulcão.