Diz-me como tratas o garçom que eu te direi quem tu és

Diz-me como tratas o garçom que eu te direi quem tu és

Eu me vingo do mundo com os intestinos. De tal forma que eu tive que encarar o toalete deplorável daquele boteco. Não dava pra adiar. Estava sendo chantageado por uma mulher, e isso me dava cólicas terríveis. Não me venham com feminismo de araque. Podia ser um homem, só que, no caso, era uma mulher. Simples assim. Por que a dita-cuja me chantageava não lhes diz respeito. Só comentei o fato para contextualizar: eu andava estressado à beça e isso fazia com que minhas tripas sofressem. Sentado naquele trono imundo, vi que um parceiro de diarreia tinha escrito na portinhola nojenta “Diz-me como tratas o garçom que eu te direi quem tu és”. A frase do século, escrita com idioma pátrio formal e irreparável. Um filósofo cagão, provavelmente inebriado, desiludido e com ideias ávidas ribombando dentro da cabeça. Meu irmão. Quisera escrever como ele.

Mais do que cruel, o mundo anda chato pra cacete. Quando eu digo mundo, refiro-me às pessoas, não à paisagem. Reparem, por exemplo: alguém interrompe um beijo romântico na esquina, para caçar pokémons usando o smartphone. Não vejo esperteza nenhuma nisso. O que são pokémons? Ora, não vou gastar tinta respondendo. Tentem a “Barsa” (será que essa enciclopédia ainda existe?). Estorvar beijos apaixonados… Meu Deus! Quanto descalabro! Ninguém ainda se tocou que amar é preciso.

Imprecisos, pombos da Praça de São Pedro cagam sobre as cabeças erradas. Vocês não me pegam, malditos! Sim, faltam-me educação, compostura e um pouco de fé, eu admito. Não era por acaso que a turba raivosa reivindicava de Sua Santidade o arresto definitivo da minha alma. Eita, homem carismático! Silvio Santos não faria melhor dentro de uma batina no Vaticano.

Vejam só que cenário deprimente do século 21: em Ipanema, coisas mais lindas e cheias de graça (ou seja, garotas), desfilam pelo calçadão, num doce balanço a caminho das clínicas de estética do Botafogo. Isso pode, Vinicius? Mais salgado do que nunca, o Oceano Atlântico chora. Há aqueles que, como eu, prefiram os peitinhos muxibentos, originais. Me amarro numa pelanca. Sempre que eu raciocino com os testículos, sinto-me incendiado por dentro, sabem como é?

Causas de banzo não me faltam: um brasileiro que passeia, acidentalmente, pelo Museu do Louvre, preenche uma Enquête de Satisfaction Client (se é que me entendem). O sujeitinho, que padece de um português pífio no qual abundam craços erros ortográficos (como esse), comete o despautério de sugerir ao museu parisiense que meta próteses de silicone no busto da Vênus de Milo. Nunca foi tão cult ser burro. E há quem se orgulhe da ignorância inata. Vivemos numa era em que prevalecem a velocidade da informação, a rasura das ideias, o narcisismo virtual e o desprezo profundo pelas raízes culturais. Nem precisa um cometa pra dar um jeito no planeta. Daí para o fim do mundo é um pulo.

Agora, vocês vão ter que me aturar. Viajem um pouco mais pela estapafúrdia condição humana que presenciamos nos dias atuais. Na entrada do Coliseu, cristãos com fome de vingança devoram espetinhos-de-gato. Sob o Arco do Triunfo, alguém perde mais uma aposta: não, “Cidade Luz” nada tinha a ver com iluminação pública abundante, muito menos, com a exuberância de partos naturais. Turistas deslumbradas pisam na grama da Cidade Proibida, em Pequim, e dão mais do que chuchu na Muralha da China. Diante dos Arcos da Lapa, um bando de milicos passa com três negrinhos algemados. Governo trabalhando é o que eles dizem. Burocratas com gel nos cabelos e bíblias sob os sovacos explicam que é preciso garantir a segurança dos turistas estrangeiros (inclusive dos pedófilos e dos canalhas) durante os Jogos Olímpicos de 2016, na Cidade Maravilhosa.

Ah… como eu queria ter vivido a minha juventude na efervescência dos anos 1960. Eu teria ficado três dias nu, doido e sujo de lama durante o Festival de Woodstock. Adoro não tomar banhos. A sujeira me aproxima mais do animal que sou. Suponho que vocês estejam admirando ainda menos esse autor agora, do que quando bateram os olhos no jocoso título dessa joça. Não lhes tiro a razão. Só que também não dou a mínima.

Tanto assim que voltarei ao início dessa história, para terminá-la de uma vez por todas: o bar. Na minha ausência, alguém tinha pedido a conta (outra inconteste prova de individualismo e descortesia). Um sujeito desagradável que eu acabara de conhecer disse que não pagaria a gorjeta do garçom. De acordo com a lei vigente, a taxa de serviço era facultativa e ele só pagava se quisesse, foi o que ele disse. Argumentei que o garça tinha nos atendido super bem. O carinha insistiu que não tinha quem o fizesse pagar a porra da gorjeta (desculpem, mas o palavrão é dele). Disse isso ao mesmo tempo em que fazia uma selfie com uma mulher extravagante (altamente desejável para uma trepada, é bem verdade) e sem assunto que estava sentada ao seu lado. Mandei-o à merda. O cara era mais forte, mais jovem, mais estúpido, então, quis me bater. Normal. Não movi uma única mitocôndria. Seria ótimo apagar com um murro na cara. A turma do deixa-disso deixou de pagar a conta, conteve o garotão e vazou. O garçom desceu outra gelada (cortesia da casa, foi o que ele disse) e sugeriu que eu escrevesse a respeito das pessoas, por que razão elas andavam tão intolerantes, individualistas e escravizadas pelo tempo. Raimundinho sacava das coisas.