Se eu fosse Deus arrancaria as costelas de Adão e faria um churrasco só para mulheres

Se eu fosse Deus arrancaria as costelas de Adão e faria um churrasco só para mulheres

“O que você faria se fosse Deus por um dia?” Juro. Escreveram essa pergunta dentro do banheiro de um bar. Balancei, abri as pernas feito um compasso, inclinei-me para frente, firmei o corpo mantendo as mãos espalmadas contra a parede fria, tentando buscar equilíbrio — sempre me considerei um homem excessivamente equilibrado e isso me irritava pra cacete. Enquanto urinava, eis as respostas que li no azulejo ensebado daquela latrina.

Eu diria, em alto e bom som, de dentro de uma nuvem: “Vocês não existem”. Acabaria de uma vez por todas com todo esse mistério acerca da vida: contava tudo para a Humanidade, tintim por tintim e sem rodeios. Desconstruía um mundo de coisas em seis dias para descansar no sétimo. Arrancaria as costelas de Adão e faria um churrasco só para mulheres. Participava de um estupor coletivo na Duna do Pôr do Sol em Jericoacoara. Convidava o diabo pra jogar cacheta, discutir a relação e rir da sua cara. Amor e dor não passariam de uma rima poética. Faria uma mãe caquética levantar do seu leito terminal para dançar um twist. Montava num tornado para sair por aí varrendo a maldade da face da Terra. Enterraria de vez o desprezo que eu sinto pela morte. Não nasceria mulher nem fodendo. Retornava correndo pro útero da mamãe. Voltaria no tempo para jogar uma bomba de chocolate sobre Hiroshima. Declamava “O Navio Negreiro” em mandarim. Ninguém mandava em mim, senão o amor ao próximo. Traria alguma felicidade, porque dinheiro eu já tenho muito. Cagava e andava — fora dessa privada — para as coisas que você pensa a meu respeito. Ordenaria que o Mar Vermelho se abrisse para que eu pudesse passar com a minha dor. Ia ver se eu estava na esquina e, caso estivesse, tomaria um café comigo mesmo, afinal, eu era Deus, uma sumidade histórica. Histérico é você, companheiro! Extinguia todas as religiões que tivessem CNPJ. Faria homens à imagem e semelhança das borboletas. Metia um par de asas nas costas e vazava daqui. Proibia o povo de ficar dizendo por aí que eu quis assim; ora, eu simplesmente botava toda a culpa pelas tragédias no destino. Parava de enfeitar com crianças os canteiros do paraíso. Operava milagres sob as traves de um gol. Voltava no tempo para ser o quinto beatle. Transformaria dinheiro em capim para que todos o mastigassem com máximo desprezo. Desmascarava cânceres. Partos seriam como cuspes: rápidos e indolores. Ressuscitava sonhos mortos ao terceiro dia. Proporia aos micróbios vida eterna às mães. Nasceria em Itabira. Colocava uma medalha de honra ao mérito no peito de um ateu. Mandava que os homens se amassem uns aos outros, mas só se fosse pra valer. Lavaria a porcaria da parede desse banheiro antes que um escritor embriagado fizesse dela uma história.