Nalgum lugar do mundo, nem bem amanhece o dia, tem alguém que te odeia. Pode ser ao teu lado, num boteco imundo ou no parlamento carpetado dum país de primeiro mundo. Notícias como essa jamais descem redondas, eu admito. Exceto os muito bons, todos querem ser amados. Nalgum lugar do mundo tem alguém que pensa em ti, que pensa em te ferrar por uma vida inteira ou por um final de semana, metido dentro de um uniforme de policial ou trajado à paisana. É ultrajante, mas, nalgum lugar do mundo tem alguém que quer cuspir em ti. Nalgum lugar do mundo tem alguém que tem fome do teu fígado servido a palito num prato onde se come a dignidade pelas beiradas. O apetite dessa gente é tão cruel que língua nenhuma vai por reparos no gosto amargoso do fel. Não bastasse o sabor pouco palatável do teu órgão gelatinoso, nalgum lugar do mundo, alguém com espírito jocoso sonha em comer o teu rabo, literal ou figuradamente, delicada ou violentamente, pois os banquetes de danos sempre ocorrem à revelia dos teus planos. Nalgum lugar do mundo tem alguém que ri até molhar os fundilhos, enquanto tu choras. Nalgum lugar do mundo tem alguém que brinda com cuspe as lágrimas que escavam o teu rosto. Nalgum lugar do mundo tem alguém que planeja, arquiteta, constrói pesadelos e ainda por cima vai dormir com os anjinhos. Nalgum lugar do mundo tem alguém que trama contra ti numa varanda, feito uma velha coroca a bordar borboletas solitárias numa colcha. Nalgum lugar do mundo, debaixo de um arco-íris, tem alguém que te considera um trouxa e coloca o teu nome numa lista negra. Nalgum lugar do mundo tem alguém que faz serões pelos senões dos teus deslizes. Nalgum lugar do mundo tem alguém que vai sacrificar a amizade e pregar a tua intimidade numa cruz para que todos profanem. Nalgum lugar do mundo tem alguém que reza para que Deus te destruas. Nalgum lugar do mundo tem alguém que vigia os teus passos com as lunetas da inveja. Nalgum lugar do mundo, alguém que nada entende de poesia semeia pedras no teu caminho. Nalgum lugar do mundo tem alguém que treina em frente ao espelho mentiras contra ti. Nalgum lugar do mundo, alguém que já disse “Eu te amo” aperta o botão e extermina uma história de amor. Nalgum lugar do mundo, como quem descarna uma caça com os caninos, tem alguém que escreve um dossiê de fraquezas, um livro de escândalos a teu respeito. Nalgum lugar do mundo, amoladores de faca miram o teu pescoço. Nalgum lugar do mundo tem alguém que tece para ti uma corda. Nalgum lugar do mundo tem alguém que te mata todo santo dia, mas tu não morres. Nalgum lugar do mundo tem sempre alguém que não te ama. Nalgum lugar do mundo, alguém que por ti escreve sangra.
Nalgum lugar do mundo tem alguém que te odeia
