Lave a boca antes de dizer eu te amo

Lave a boca antes de dizer eu te amo

Eu te amo. Nunca se falou tanto isso na história da humanidade. Tá mais dito, repetido e puído do que Eu acredito em Deus, Eu não acredito que a sua menstruação atrasou e Eu duvido que a Receita Federal me pegue. Pode parecer heresia. Não é. Pode parecer machismo. Não é. Pode parecer sonegação. E é. A coisa anda séria. Tem muita gente agora querendo derrubar o Governo e eu não estou aqui pra fazer graça a ninguém.

No fundo, eu queria mesmo era ser agraciado com um Nobel de Literatura. Eu, mamãe e o doutor concordamos que eu mereça um ossinho por bom comportamento. Se não, ao menos, um beijo de misse. Também sofro de vaidades. Se vai ficar rindo ou se indignando aí do outro lado, o problema é todo seu. Uma vez que não aprendi a dizer Eu te amo, nem mesmo para uma cédula de cem dólares — padres ensinaram-me a odiar dinheiro —, espero que você se contente com um reles vai se danar.

Continua sentado aí, criatura? Nota-se que você não possui amor próprio. Tá parecido comigo e isso me desilude profundamente, pois não há saída para um mundo com gente que caminha por aí batendo carteiras, batendo punhetas, batendo em mulheres. Sim. Você leu mesmo isso. Mas não acredite em tudo o que lê. Não leve as coisas ao pé da letra. Pode ser apenas uma forçosa questão de estilo literário ou de surto psicótico do autor. Essas coisas acontecem. Se ainda lhe sobra alguma bile, prossigamos. Que Deus e os sais de fruta nos protejam.

Amar, o verbo mais vilipendiado do planeta. Nem precisa consultar o seu dicionário, meu caro. Vilipendiado: humilhado, ofendido, injuriado, desprezado, desdenhado. De fato, deve ser Deus quem está no comando, a mandar que a terra trema o tempo inteiro de tanto desgosto pelo ser humano — é bom lembrar que foi você quem começou tudo isso, pai. Dizer muita gente diz, contudo, é raro encontrar quem esteja seguindo, convictamente, o tal mandamento para amarmos uns aos outros. Ora, ninguém manda em corações armados. Amar o próprio filho ou uma esposa carinhosa que suga você até o bagaço é fácil. Quero ver amar um estranho com a mesma honestidade.

Há muita hipocrisia estuporando por aí. Eu, por exemplo, conheço um bajulador que utiliza um velho calhamaço da bíblia como contrapeso pra manter a porta da cozinha aberta. Por que, diabos, o sujeito simplesmente não fecha a janela, eu não saberia explicar. Cada um lida com as correntes de ar e de fé da maneira que consegue. Eu sigo pensando que o mundo melhorou demais nos últimos séculos, mas, o ser humano continua menos confiável que um cirurgião que não suporta ver sangue. Certo ou errado, o certo é que tenho errado por esse mundo mais triste que um cachorro embarcado numa canoa. Talvez, eu tenha perdido a esperança nas pessoas. Mas, as chaves do carro eu já encontrei. Que sorte a minha. Azar o seu, pois pode ser que eu saia por aí e lhe encontre.

Sim. É verdade. Você tem razão. Sou um sujeito bem estranho. Tão estranho que me sinto bem, ao ponto de gostar de mim do jeito que sou: franco, fraco e sujeito a frescuras do tipo ler poesia, assistir à chuva, acariciar um gatinho de rua e tentar descobrir qual o projeto do grande arquiteto do universo para a humanidade. Definitivamente, não suporto tanto mistério. Da minha mente fértil só brotam minhocas.

Mas, não era a respeito das engenhocas divinas, das dúvidas existencialistas, que eu tencionava escrever. Aliás, a essa altura do texto, além das chaves do carro que sumiram de novo, eu já perdi completamente as estribeiras, a compostura e o fio da meada. Já que não posso lhe pedir dinheiro abertamente, peço desculpas. Não tenho tanta certeza, mas, suponho que eu planejava falar sobre hipocrisia, falsidade ideológica, vaidade, autopromoção, coisas assim. Sei lá.

Está odiando essa história toda? Eu não o culpo. Você também não me agrada nem um pouco. Portanto, para o bem da humanidade e da literatura, fim.