A mulher, quando muda os seus cabelos, está pronta para um novo amor

A mulher, quando muda os seus cabelos, está pronta para um novo amor

Ela demora-se em frente ao espelho. Percorre com a ponta dos dedos as rugas tortuosas da sua jornada. A pele da face carrega algumas cicatrizes da juventude. Alguns fios de cabelos estão brancos e cansados. O olhar fixo para o fundo de si mesma encontra seus medos e suas derrotas, sua força e suas conquistas.

Ela é solteira. Casada. Viúva. Ela é filha. Esposa. Mãe. Ela trabalha fora. Trabalha em casa. Ela tem aflição de barata voadora. Troca lâmpadas e pneu do carro. Ela tem TPM. Toma remédio para não ter TPM. Tem dias que sente desânimo. Outros dias, acorda com energia para correr um maratona.

Ela sente saudades dos tempos que não voltam mais. Das pessoas que se foram e das que nunca chegaram. Lembra de quando era uma menina inocente que acreditava em fadas e amores eternos. Pensa na mulher esperta que se tornou por ter sido essa menina.

Ela sabe que a vida nem sempre é justa. Pouquíssima gente tem muito e tanta gente tem quase nada. Também sabe que algumas coisas não são imutáveis. Com o passar dos anos, os sentimentos mudam, assim como ela própria mudou.

Ela nunca tinha se visto tão nitidamente. Ela estava cega, mas a imagem refletida no espelho a fez enxergar.Ela tem escolhas. Pode ir ou pode ficar. Pode usar o esmalte de sempre ou a cor do seu momento. Pode trocar o tom do batom e o corte dos cabelos. Entrar num grupo de corrida. Estudar uma nova língua. Planejar uma viagem. Fazer aulas de jardinagem. Cantar em um coral.

Ela descobriu o que é intuição. Mesmo sem entender alguns porquês, ela contempla a sensação de sentir a si mesma. O seu interior é quem lhe salva de seu próprio naufrágio. Ela navega pelas palavras que sente, pelas notas que canta e pelas cores que vê. Ela é esperança.

Ao mudar a roupa da alma, a mulher está se amando outra vez. É como escrever um poema sobre recomeços. Ela se agarra a velhos sentimentos que estavam esquecidos na labuta corrida dos dias. Vai em busca da novidade que lhe espera em alguma esquina da vida. Olhando-se no espelho, ela sabe que outras rugas hão de surgir pelas curvas da sua existência. Mas está tudo bem. Porque ela já esteve perdida; agora, se encontrou.