Só para mulheres que consintam em apanhar com uma flor

Só para mulheres que consintam em apanhar com uma flor

Se eu fosse mulher, não paria nem mais um canalha. Se eu fosse mulher, voava, não gastava tempo explicando para os homens que lugar de sonho é na cozinha dos que possuem asas. Se eu fosse mulher, baixava o nível e trocava de mal com o Altíssimo por não ter concedido às fêmeas o privilégio de dar à luz cantando. Se eu fosse mulher, reivindicava nascer passarinho na próxima fornada. Se eu fosse Deus, me redimia e aceitava correndo.

Se eu fosse mulher, eu não cuspia na mão primeiro, eu deixava essa impressionante tolice para os homens de verdade. Se eu fosse mulher, tomava o volante e, em perigo constante, conduzia o meu próprio destino. Se eu fosse mulher, deixava de tanta fragilidade e montava logo o meu próprio elefante numa loja de cristais. Se eu fosse mulher, eu punha pra quebrar e, de quebra, ainda punha o homem para compor o papai-e-mamãe sempre na parte de baixo da brincadeira.

Se eu fosse mulher, estufava o peito e dizia que lá em casa quem mandava bem era eu e que gostava, sim, de apanhar com uma flor. Se eu fosse mulher, só morava em casas que tivessem um canteiro, e deixava para sempre aberto o portão dianteiro para que a dor escapasse do amor, feito uma rima rara. Aliás, se eu fosse mulher, e se fosse o caso, exigia que a pensão alimentícia fosse antes paga com pão e poesia.

Se eu fosse mulher, tomava o poder com duas pedras de gelo, por favor, obrigada. Se eu fosse mulher, pagava um drinque e a conta do analista para toda e qualquer moça direita. Se eu fosse mulher — e se tivesse vontade — eu só casava com uma virgem, como papai já dizia. Se eu fosse mulher, trocava alhos por bugalhos e colocava um coração de silicone no peito de cada cirurgião plástico. Se eu fosse mulher, lavava e passava pra fora. Ah, sim. Eu não só esquentava a barriga no fogão para esfriar no tanque, como jogava o máximo de água que conseguisse para fora da bacia. Se eu fosse mulher, só dividia os sarcasmos múltiplos com gente que somasse alguma coisa na minha vida. Eu também não acho isso gozado.

Se eu fosse mulher, amamentava até mesmo na frente de um sujeito cego de intolerância. Aliás, se eu fosse mulher, aprontava o maior escarcéu ao sair disparando leite pelas tetas, para tudo quanto era lado, dentro da boca estupefata do público, na praça de alimentação de um shopping. Se eu fosse mulher, vendia o corpo, mas não entregava.

Se eu fosse mulher, mandava os homens procurar os seus direitos, e baixava uma lei decretando que, a partir do dia primeiro de janeiro do corrente ano, eles seriam o sexo forte sozinhos. Provavelmente, isso culminaria no fim da humanidade e de dilemas relevantes, como a falta de água potável no planeta e de delicadeza nos olhos.