Deixe o coração sangrar. É na solidão que você descobre a si mesmo

Deixe o coração sangrar. É na solidão que você descobre a si mesmo

Um dia, chega o período conturbado da vida; uma fase em que os mais sinceros sentimentos despertam de suas profundezas. Fica tudo meio confuso. Diante de porquês sem respostas, a angústia surge impiedosa: atropela certezas e derruba conquistas. Morando só ou acompanhado, sua casa parece grande, gelada e vazia. Sem rumo, você não sabe se vai ou se fica, se resiste ou se se entrega. Por fim, você se abandona. E fica completamente sozinho.

Resta o silêncio da voz que antes cantava alegria. Resta também o barulho da chuva. Porque chove lá fora e você se molha por dentro. Você deseja afogar os seus tormentos; nadar em mágoas para a enxurrada de lágrimas levar desilusões embora.

Entretanto, seus compromissos seguem indiferentes às suas lamúrias. Enquanto a vida chove, você entra no piloto automático. Acorda. Trabalha. Dorme. E se torna um sonâmbulo de sonhos perdidos.

Para sentir a si mesmo e os seus segredos, você acaba se afastando de tudo e de todos. É o seu tempo de reflexão. Tempo de olhar para o “Holden Caulfield” dentro de você. Pode ser por rebeldia ou qualquer coisa que o valha. Mas também pode ser por medo, incerteza ou exaustão.

Seus campos internos estão alagados. O fluxo de seu sangue carrega suas dores. As águas frias que te percorrem vão direto ao buraco cravado no peito. Neste isolamento momentâneo de si mesmo, chega a hora de decidir: ou você pula no buraco, ou se segura na beira desse abismo e apanha suas dores — antes que elas afundem o seu coração.

Ao agarrar-se a cada dor que te levaria ao precipício, você aprende a deixar doer. Como disse Clarice Lispector, “sentimentos são água de um instante”. Ao mergulhar em seu sofrimento, você aprende a sentir: quando a alma dói, é possível enxergar a poesia através da solidão.

É que a solidão só passa quando você se entrega a ela; não como um vencido, mas como quem enfrenta o incompreensível. Você se agarra a si mesmo e não se permite cair em desespero.

Por mais que este exílio sufoque e desalinhe a alma, você continua nadando firme contra a correnteza que te leva para longe de você mesmo. Nesse anoitecer sem estrelas, você encontra a inspiração do poeta: solidão é compor vida com a arte de não morrer.

Nessa tempestade de dores e trovões, logo seus campos alagados serão um terreno de semeadura. Mesmo que nesse momento a vida tenha se tornado uma vereda inexplicável, você refresca o coração com a poesia de João Guimarães Rosa: “Sofre, sofre, depressa, que é para as alegrias novas poderem vir…”

É assim que prossegue a vida, em seus ciclos e a seu tempo. Ciclos de chuva e sol; tempo de chorar e brilhar. Caminhando nessa estrada de palavras, sentidos e sonhos, você sabe que a melhor parte é poder voltar para casa. Voltar para todos a sua volta. Voltar para dentro de você.