Só passei pra dizer que não concordo com você em gênero, número e grau

Só passei pra dizer que não concordo com você em gênero, número e grau

Todo ano, a mesma coisa: o Brasil inteiro sai pra brincar o carnaval e eu me sento aqui na frente do computador para escrever o quanto eu não gosto dessa festa. Vai ser chato assim lá em Pasárgada? Pode ser. Desde que não haja carnaval por lá, eu topo ser amigo do rei.

Em matéria de impopularidade, sou uma graça, sabe? Eu e o barman sentimos o maior orgulho disso. Aquele cara ali no balcão é o melhor coach que já encontrei na vida. Por que não fico sócio dele? Por que não escrevo sobre outro assunto, só pra variar? Quando você parar de se travestir de colombina para arrasar na avenida, eu prometo escrever sobre gastronomia. Algo do tipo “Como cozinhar cenouras no seu rabo”.

Então, vamos começar a baixaria, que o sangue já está pulsando nas minhas têmporas. Solte aquele grito de carnaval há tempos preso na cloaca: Eu odeio o carnaval! Você tem razão: também não gosto de conjugar o verbo odiar. No duro. É o mesmo que chamar alguém de “desgraçado”. Quando alguém me chama de “desgraçado” eu sinto que esse alguém está mesmo com muita, mas muita raiva de mim. Não dá pra concordar com uma coisa dessa. Não costumo xingar nem mesmo o pior inimigo usando tal alcunha, muito menos aquele sujeito que enxergo no espelho quando não há mais ninguém por perto. Nesse caso, em matéria de insulto, o máximo que eu consigo dizer é “Perdeu, playboy”.

Se você se irritar comigo antes do próximo parágrafo, ganharei o dia. Ora, não é preciso estar morto para saber que atrás do trio elétrico só não vai quem não tá com vontade de ir e ponto. Simples assim, Caetano Veloso. Nem toda pessoa que rejeita o carnaval como divertimento é um desequilibrado, uma criatura que tem sérios e profundos problemas psicológicos, trauma de infância ou coisa que o valha. Nunca sofri abusos, senão da vida. Simplesmente, há pessoas incomuns como eu que não se sentem numa boa ao suarem os sovacos na avenida durante uma catarse coletiva regada a ureia e dedadas nos cuzinhos das moças. Cara, pode parecer desrespeitoso, mas, ocorre que o brasileiro é um povo caliente à beça. Religioso e mal educado também. Sangue latino, eu acho. Atenção, Primeiro Mundo: foder com a legislação é com a gente mermo! Que Deus e as mães das moças nos perdoem.

Suponho que este será um dos mais esdrúxulos, mal humorados e desprezíveis textos que já psicografei do meu eu interior, não apenas nesta vida, mas em todas as minhas existências pregressas. Eu também tô sentindo aquele sabor amargo na língua: é de reencarnar pica-pau do oco, cara. Vista logo a sua fantasia de padre exorcista e me livra dessa. Senão, pare de ler essa joça agora mesmo, vai pra matinê do Jóquei e se cale para sempre. Não diga que não avisei. Não pretendo açoitar os meus neurônios para escrever patavinas a meia dúzia de gatos pingados. Ah, isso que eu escrevo não tem nenhum valor literário na sua opinião? Dane-se. O que você faz aqui a esta altura do texto? Está precisando mesmo é de uma camisa-de-força, meu chapa. Querendo uma, lhe empresto.

Aproveita o seu lapso de dignidade, a sua insanidade mental temporária, o seu mau gosto literário para anotar no maço de cigarros do seu cafetão, certos recursos antissociais recomendados aos que estão se lixando para o carnaval. Quem está recomendando? Sua mãe — aquela ingrata — que não é. Senta numa moita de cactos e me escuta com atenção. Se sentir vontade de chorar, fique à vontade. Prometo rir na sua cara.

As águas vão rolar. Garrafa cheia eu não quero ver sobrar. Eu passo a mão no saca, saca, saca-rolhas e vamos beber até que a crise financeira melhore ou que o dólar caia dois dígitos. O que vier primeiro. Preciso conhecer os parques de Orlando, antes de me matar para conseguir algum dinheiro. Estou sendo desagradável de novo? Você tem razão. Quase sempre você está certo. Vou tentar a little tenderness.

Rememoremos uma época em que já fui poeta. Os brutos também rimam amor e dor. Tipo assim: mal você partiu para o Rio, a tarifa do transporte coletivo subiu cinquenta centavos. Parece pouca coisa? Parece que não teve porcaria de rima nenhuma nesta notícia? Eu explico pior quando você retornar na quarta-feira de cinzas.

Como você se diverte e gasta o seu dinheiro não é da minha conta? Bingo! Na mosca, de novo. E por falar em varejeiras, há algo de podre no Congresso Nacional, mas, o máximo que você consegue é enfiar uma máscara de borracha na cara para protestar contra a corrupção no país cantando marchinhas dos anos 1930. Os bêbados fazem coisas engraçadas, como se afogarem no próprio vômito. Também já passei por isso. Só que eu enchi a cara por uma boa causa, para que o mundo sentisse vergonha de mim e soubesse que não concordava com ele em gênero, número e grau.

Estou exagerando? São, certamente, os resquícios de um poeta pelejando nos calabouços de mim. Um dia, se Deus não quiser, ele vaza. Quer saber de mais uma coisa? Não tenho nenhuma outra recomendação em especial para você nesse carnaval. Vai ser feliz longe daqui. E, se quiser, nem precisa usar camisinha, tá? Tô nem aí.