“Dê seu coração a um cão, e ele lhe dará o dele”

“Dê seu coração a um cão, e ele lhe dará o dele”

Um dia, quando eu ainda morava na casa dos meus pais, minha mãe me chamou angustiada porque a Luna, nossa Cocker caramelo, estava encolhida debaixo do armário da despensa. Havia muito sangue espalhado pelo chão. Fraca e desidratada por causa de um sangramento intestinal intenso, ela foi internada no Hospital Veterinário da cidade.

O livro “Marley e Eu” resume o sentimento que temos por nossos cachorros: “Nossos animais de estimação têm a vida tão curta, ainda assim, passam a maior parte do tempo esperando que voltemos para casa todos os dias. É impressionante quanto amor e alegria eles trazem para nossas vidas, e quanto nos aproximamos uns dos outros por causa deles”.

Por incrível que pareça, os animais nos humanizam. Nós, seres humanos, vivemos em conflito desde a nossa existência. Mas alguns animais nos inspiram a olhar a vida com mais simplicidade, curiosidade e disposição.

Repare. Estamos sempre apressados. Egoístas ou distraídos, mal observamos o mundo ao redor. A vida moderna e informatizada, com tantos compromissos e trabalho nas cidades grandes, muitas vezes nos obriga a passar o dia todo fora de casa. E só quem tem um animal de estimação sabe da alegria que sentimos quando somos recebidos a latidas, lambidas e rabos agitados.

Com o diagnóstico de infecção intestinal, nossa cachorra precisou de tratamento com soro e antibiótico endovenosos. Fui visitá-la todos os dias no hospital. Numa visita, estávamos em uma sala cheia de gaiolas ocupadas por cachorros de todo tamanho e raça. Comecei a observar os cães adoecidos e seus donos. Na gaiola ao lado da Luna, havia um cachorro de porte médio em insuficiência renal terminal. Seu olhar apático não correspondia aos olhos tristes de seus donos, um casal ajoelhado à sua frente, fazendo-lhe carinho em silêncio.

Tinha um cachorro enorme que sofrera a amputação do pênis devido a um tumor maligno, e seu olhar parecia de um filhote abandonado. Um idoso soltara seu vira-lata para lhe dar comida. O animal estava tão cansado que só queria repousar a cabeça no joelho do homem, que estava sentado no chão, de pernas cruzadas, bem no meio da enfermaria canina. Aproximei-me deles e perguntei o que havia acontecido. O cão tinha um câncer e não resistiria a uma cirurgia devido sua idade avançada.

Do outro lado, reparei no menor chihuahua que já havia visto até então. Duas moças conversavam carinhosamente com o pequeno cão, dando-lhe biscoitinhos pelo espaço entre as barras de ferro da gaiola, deixando-o agitado e feliz.

Por mais que seja difícil o momento, a vida ainda pode ser alegre com um rabinho agitado ao seu lado. A cachorra Baleia, do romance “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, foi retratada pelo autor com uma humanidade que parecia maior que a dos próprios seres humanos. Talvez, a cadela tenha sido a inspiração da esperança para aqueles nordestinos sofridos. Apesar da dor, da fome e da seca, Baleia não cedia à morte. Ela não abandonava Fabiano, sinhá Vitória e os meninos; nem mesmo quando foi sacrificada por estar doente ela deixou de pensar neles. Morreu sonhando com seus donos, num outro mundo perfeito, farto de comida e com as crianças brincando felizes.

O coração de um cão é puro. Você está triste, chorando talvez, e seu cachorro se aproxima sem fazer barulho. Apenas encosta sua cabeça em seu colo, ou passa o focinho molhado na sua perna, só para te lembrar que você não está sozinho. Sua lealdade é incondicional. Ele te ama até o último dia da vida dele.

*Título tomado de empréstimo de Marley e Eu, de John Grogan.