O coração é um carro veloz, sem freio e sem volante

O coração é um carro veloz, sem freio e sem volante

Quem diz que domina o coração é porque não tem coração ou tem um coração frouxo, que bate bielas e pistões. Coração digno do nome é bicho indomável, solto, acelerado, com caprichos vontade própria, sem freio e sem volante. Que sai às doidas, às cegas, esbarrando em tudo e em todos pela vida. Quem nuca se deixou levar como o coração de Paulinho da Viola em sua música? O coração se lança ao rio bravo, na correnteza mais revolta, sem saber uma braçada de nado e se deixa levar. Ou é assim ou não é coração.

Quem nunca praticou uma loucura arrastado pelo coração não sabe o que é viver intensa e perigosamente. E se você é o tipo de pessoa que lamenta ou mesmo se gaba de levar uma vida contida, os sentimentos sob controle, de trazer seu coração a rédeas curtas, que nunca deixa que suas pulsões sentimentais sobrepujam as ideias cerebrinas, espere só pra ver. Mais dias menos dias, a voz do coração que vem das profundezas do ser, feito uma força estranha que provoca terremotos e grita mais alto e sem que você se esforce será capaz de encenar os atos mais insanos para defender os territórios das paixões que você julgava que não tinha. Ou que mesmo que tivesse você seria capaz de dominar.

A loucura encetada pela paixão, em princípio, nada tem a ver com a loucura mental, causada por traumas, neuras, psicoses e outros desarranjos psicológicos. É claro que na pessoa mentalmente desequilibrada, quando bate a onda da paixão, os danos podem ser realmente devastadores, levando o indivíduo a praticar atos que descambam para o delito, para o crime e à barbárie. Nas pessoas mentalmente sadias, a loucura da paixão não deixa de ser loucura, mas ela se dará num nível aceito e até louvado pela sociedade. Como despejar um helicóptero de flores sobre a casa a mulher pretendida, ou voar 40 horas de avião para ver, ainda que à distância, os olhos da paixão secreta.

Essa paixão, inclusive, é muito valorizada pela publicidade, pelo mercado. Ocorre que uma pessoa apaixonada sempre está disposta a gastar uns dólares a mais, sobretudo com coisas supérfluas ou com alto valor agregado que em estado de inércia volitiva jamais gastaria.

Se você, movido pela paixão, praticou atos de loucura na juventude, nada lhe garante que na maturidade venha estar livre desses impulsos. Mas é possível que suas reservas de apaixonites agudas estejam qualquer tanto esvaziadas e você possa levar uma vida mais apaziguada e serena.

Mas se você levou uma vida insípida na juventude, com um coração sem arrojar suas paixões, cuidado. Agora na madureza ou mesmo na terceira idade, as paixões que você abafou ou que não se manifestaram na juventude podem vir agora potencializadas pelo represamento ao longo da vida e furiosamente estourar suas represas familiares nos momentos mais inesperados. E paixão é como tudo na vida: fora da hora e do lugar, os danos são maiores. O empresário Antônio Ermírio de Moraes (1928 – 2014), disse certa vez, numa entrevista, que rezava todo dia para que Deus não deixasse ele se tornar um “velho assanhado”.

Não se esqueça nunca, a paixão é um atributo, não exclusivo, mas genuinamente humano. A paixão é uma coisa ridícula. No entanto, mais ridículo do que a paixão é passar pela vida sem se apaixonar.