Sempre sonhei em matar um homem num duelo justo

Sempre sonhei em matar um homem num duelo justo

A partir de agora, é cada um por si. Pelo andar da carruagem na Câmara dos Caubóis — ou melhor, na Câmara dos Deputados — voltaremos a fazer a boa e velha justiça com as próprias mãos. Após muita negociação e chantagem, sob um nauseabundo cheiro de pólvora, enxofre e dólares furados remetidos pelo consórcio de indústrias de munição, formol e algodão-para-narinas, a bancada do meu-ódio-será-sua-herança aprovou um revestrés na Lei do Desalmamento — quer dizer, Lei do Desarmamento. Será permitido vender a alma ao diabo sem fornecer recibo, cuspir marimbondos no passeio público, dar tapinhas no traseiro fofo das moças bonitas e carregar revólveres na cintura.

Saibam: hoje acordei com a macaca. Nunca falei tão sério desde que tomei eletrochoques on the rocks. Sempre sonhei em matar um homem num duelo justo. Animem-se, miseráveis! A partir de agora poderemos resolver nossas diferenças à bala. Tudo muito rápido e sem burocracia. Nada de mutilações, torturas, apedrejamentos, mandados de segurança. Isso é coisa para os fracos.

O tempo das diligências está de volta. Melhor que isso só proibindo o uso da pílula-do-dia-seguinte para eleitores que se foderam votando em candidatos da esquerda. O Congresso Nacional pensa em tudo. São quinhentos e treze deputados e um destino. Nunca antes na história desse país avançamos tanto para trás. As cavernas que nos aguardem.

De acordo com a nova proposta de lei, qualquer cidadão de bem poderá, não apenas portar armas, mas, meter bala num coirmão, da maneira mais justa e limpa que conseguir, como Jesus nos ensinou. Não me apoquentem. Cada um interpreta a bíblia da maneira que lhe convém. Aposto que não contavam com tanta acidez, sarcasmo e humor negro, certo? Tirem as mãos dos coldres. Não saquem agora, chapas. Vocês ainda não viram nada. Eu sou danado. Eu sou o homem que matou o facínora. Por onde eu passo com meu cavalo-de-pau, a grama da campina não cresce mais.

Os critérios que vão rotular quem é cidadão de bem e quem é cidadão do mal ainda serão estipulados pelos nossos representantes. No entanto, ficou pactuado com o sangue dos inocentes que os cristãos brancos ilibados que adquirirem armamento pesado num shopping center, após lancharem no McDonald’s, terão que passar por treinamento com exterminadores tarimbados nas academias de polícia, a fim de aprenderem a matar pessoas sem sentir culpa e, ainda assim, pleitear vagas no céu.

O Poder Judiciário ainda não se manifestou oficialmente a respeito da matéria em decomposição, mas é certo que os magistrados sentiram cheiro de carniça e um alívio danado, pois sempre de declararam constrangidos por não conseguirem aplicar as leis vigentes. Bandos que não prestam serão mandados diretamente para o inferno, antes mesmo de pisarem o mármore italiano do fórum. Não se preocupem com nada. Se a verdade não nos libertar, tiros de doze o farão.

Em matéria de negligência, o Poder Executivo não fica para trás. Sem receita, tijolos, moral e argamassa para construir presídios mais decentes do que o inferno de Dante, a União e os Estados prometem rajadas de metralhadora para o alto, caso a lei passe incólume pelo plenário do saloon — retificando: da Câmara.

Para que ninguém se fira durante a votação, os celerados federais já combinaram deixar os próprios paus-de-fogo nas gavetas dos gabinetes. Vai que algum homem de bem perde a cabeça. Ah… Vocês são terríveis, leitores. Homens corretos como nós, quando têm a honra enxovalhada, são capazes de cometer deslizes incríveis, como estuprar a própria esposa numa noite de sábado ou atirar num correligionário cagueta. Eu sei: são coisas que acontecem a qualquer família normal.

Estou doido pra estrear minha Winchester ’73 na fuça de alguém. Vão me encarar? Não interrompam a leitura, manos. Isso é só provocação. Acompanhem o meu delirium tremens e me atirem se eu estiver errado: esperar sentado numa cadeira de balanço da varanda de casa, até ter a sorte, o privilégio de derrubar com um tirambaço um meliante que salta pelo muro dos fundos. Sangue no quintal. Nada mais justo. De preferência, que a vítima seja um menor de dezoito, pois ninguém mais suporta tanta delinquência infanto-juvenil. Melhor do que isso só matando alces durante uma temporada de caça na puta-que-o-pariu. É como diria o maestro: esse tipo de gente, simplesmente, não tem concerto.

Do jeito que as coisas andam no país, em breve, será lícito e elegante dependurarmos as cabeças dos inimigos — nossos semelhantes, por suposto — nas paredes da sala de estar, como se fossem troféus. Ora, sonhar não paga impostos. Comprar um deputado também não. E um homem que não sonha já morreu. Eu não. Eu prefiro continuar vivo. Um patriota e tanto, um batedor de panelas que vai matar batedores de carteira dentro dos rigores da lei e da fé em Nosso Senhor Jesus Cristo. Com toda certeza, um cidadão de bem que não se cansa de sonhar com um mundo pior para todos.