Relacionamentos longos: ou viram casamentos ou viram mágoas

Relacionamentos longos: ou viram casamentos ou viram mágoas

Vocês estão juntos há um bom tempo. Sua escova de dente já roça a dele com a habitual preguiça matinal de domingo, assistem a séries de TV juntinhos, suas famílias se conhecem bem, você adora o animal de estimação da casa dele e já não sabe mais como inovar nos presentes a cada data comemorativa. É que já foram tantas! O assunto “vamos-ter-filhos?” já foi discutido várias vezes, você já tem um par de chinelos e uma muda de roupas na casa dele (e mesmo assim prefere invadir o guarda-roupas e pegar uma camisa), usam as mesmas expressões e gírias e, quando ele não vai a alguma reunião da sua família, todos os presentes perguntam com carinho e preocupação: “cadê o fulano?”. Enfim… o namoro de vocês já tem um bom chão rodado.

De repente, quando antigas lendas como imposto de renda, carteira de trabalho e previdência privada começam a ser parte de sua realidade, num prenúncio de chegada da vida adulta, o namoro leve e gostoso que vocês tinham começa a virar um pequeno fardo.

“E o casório? Vai sair não?”;

“Êeêe… mas esse cara tá te enrolando, hein?”;

“E os filhos? Já tá na hora!”;

“Sabe que uma amiga minha enrolou pra casar e, quando decidiu, o cara já estava com outra!”

Algumas simplesmente ignoram tantos pitacos. Outras já se desesperam e decidem partir para o ataque. Uma pequena e sensata parcela ouve, filtra e aproveita o que faz algum sentido.

A verdade é que, a certa altura do relacionamento, falar em casamento é quase inevitável. Não raramente, o assunto acaba extrapolando a intimidade do casal e vira praticamente uma questão de ordem pública a ser discutida em plenário. “Comissão urgente pelo desencalhe da Fulana.” Que beleza!

Vamos combinar que isso é péssimo. Conselhos podem ser uma forma bonita de se importar com o próximo, mas muitas vezes são projeções de experiências negativas e frustrações alheias. Mary Schmich sabia disso e advertiu que “compartilhar conselhos é um jeito de pescar o passado do lixo, esfregá-lo, repintar as partes feias e reciclar tudo por mais do que vale”. Então, nada mais justo do que ter cautela com o que se ouve por aí.

Mas… O que de fato significa casamento? Bem, como tantas outras coisas nesta vida, a resposta passa longe de preto no branco.

Para a Igreja, é um ato sagrado, origem de um vínculo matrimonial estabelecido pelo próprio Deus.

Para Nelson Rodrigues, peça singular de pragmatismo e deboche, é sinônimo de cinismo. “Só o cinismo redime um casamento. É preciso muito cinismo para que um casal chegue às bodas de prata.”

Para o Direito, um instituto civil por meio do qual, atendidas as solenidades legais (habilitação, celebração e registro), é estabelecida entre duas pessoas a comunhão plena de vida em família. Trocando em miúdos, não passa de um contrato.

Para um ou outro desavisado que se alimenta como sanguessuga de comentários sobre a vida alheia, é a prova de desencalhe, de que há esperança no fim do túnel para “essa aí”.

Alguns moram juntos há anos e já se consideram casados. Outros precisam de uma aliança dourada para se convencer disso. Ainda há os que estão se lixando para toda essa canseira. Eles só se amam e pronto, que se danem os conceitos e conceituadores de plantão.

O que isso tudo tem a ver? Que, antes de decidir se casar ou não, é preciso voltar a lanterna para o interior de sua alma e compreender o significado individual do casamento para seu relacionamento. De nada adianta fazer um esforço hercúleo para caber nas forminhas de gelo que alguns projetam como regras sociais, se aquilo simplesmente não faz sentido para ambos!

O que move vocês? A bênção divina? O estabelecimento de um regime de bens? Uma satisfação social? Um sonho de vida? Ora, se casamento tem tantas acepções, como é possível ignorá-las e sair “na louca” se casando sem nem saber por quê?

Não permita que isso vire um fardo e retire a beleza das duas escovas de dente que se roçam num domingo preguiçoso. Deixe o caminho ser natural, de acordo com as regras e valores seus. Três, cinco, ou 20 anos juntos é tempo de boas histórias, aprendizado mútuo e, acima de tudo, muito amor e paciência. Deixar que uma palavra reduza tudo isso a uma gaiola é descuidar de um sentimento tão nobre e caro!