10 canções que vão te fazer chorar. Ou não

10 canções que vão te fazer chorar. Ou não

Sou inchorável. Péssimo isso, não? A secura na cara de pau. O neologismo sem graça. Vocês têm razão: eu sou um chato. Eu sou um chato que não chora sem sentir dor, nem mesmo quando estou sozinho em casa com Lola, a cadelinha, mais um punhado de muriçocas. Talvez concordemos num ponto: essas ondas de dengue hemorrágica e de sangria ao erário andam deixando os nervos em frangalhos. Em contra-ataque, tenho utilizado uma raquete eletrostática — custou a bagatela de quinze pilas num semáforo — para fritar os pernilongos da sala e os deputados da bancada do crime organizado.

Não me mandem às favas, ainda. Nada é tão ruim que não possa piorar. Fiquem tranquilos. Não vou escrever de novo sobre a velha política brasileira. Pra que se amofinarem? Tenho recebido pedidos encarecidos dos leitores e ameaças escarnecidas do meu editor para não insistir nesse desagradável assunto.

Voltemos, portanto, às questões sentimentais. Cada um sabe onde lhe dói o calo. Não gozo dessa fofice toda da qual me acusaram, mas, tenho lá os meus estágios de isolamento, introspecção e melancolia. Há tempos, eu tenho alertado a todos que sou um homem estranho. Se acharem conveniente, vão reclamar com o papa, o papa-defuntos. A constrição na garganta, o choro seco que não deixa rastros no rosto, o aperto no peito, a coisa toda surge do nada, geralmente precipitada pela música. Como eu já disse inúmeras vezes, eu estou para a música assim como as pedras estão para o caminho. Somos irmanados.

Mais contrariado que cachorro em canoa, sem saber se casava, se comprava uma bicicleta ou se pensava na morte da bezerra, optei em escrever esta crônica. Descansem em paz, horas. É duro quando me falta a inspiração. Nem queiram saber por que padeço desse inexplicável esforço de autocontrole. Já perdi uma fazenda lotada de gado para pagar dívidas da jogatina e bancar sessões de palavreado macio com psicoterapeutas. Cansei de preencher cheques, de flagrar os doutores cochilando nas poltronas, de contar segredos cabeludos que eu não revelaria ao meu melhor amigo num ensopado balcão de boteco. Sim, acho que vou ter um treco, eu já os tinha avisado desde o início.

Pois então, eu dirigia pelo inferno das ruas, quando tocou uma canção linda pra cacete no rádio. Eu tinha tudo pra me emocionar: a música tocante, o caos da cidade, a solidão ao volante, o avançado na idade. Mas, não chorei. Fiz duas rimas, se muito. Tive um rompante, um estalo, uma ideia que me pareceu interessante: sair rimando por aí para provar aos leitores e ao parvo editor dessa joça que eu possuía muito mais do que Sangue de Boi circulando nas veias.

Enquanto alguém me mandava à merda, com um dos dedos esticado pelo vão da janela, pensei: bom, vou enumerar 10 canções que, de tão belas, fazem com que eu sinta aquela inusitada vontade de chorar, ainda que eu não debulhe uma lágrima sequer para saciar a sanha e a sede dos lenços descartáveis.

Estou piorando um pouco mais a cada dia, é verdade, e espero não parar tão cedo, para poder chorar em paz, sem amarras, sem melindres, sem fazer conta do tempo, de repente, nas horas mais incertas, movido pelo som de um instrumento ou da voz humana, a cantarem dentro de mim. Segue abaixo uma lista de 10 canções que poderão lhes fazer chorar. Ou não. Isso é lá com vocês. Cada um com seus problemas. Eu choraria se não fosse tão tolo.


Ave Maria — Franz Schubert, instrumental


Eu me apequeno sempre que ouço essa música. Se tivesse uma nesga de fé, ouviria ajoelhado sobre grãos de milho.

Sorri — Djavan

Fecho os olhos, presto mais atenção, parece que Djavan está aqui do meu lado, consolando-me com a versão em português de Smile, de Charles Chaplin, Turner e Parsons.

C’est la Vie — Emerson Lake and Palmer

A vida é assim: misteriosa e louca.

Libertango — Astor Piazzolla

Ouvi esta música pela primeira vez em Buenos Aires. Doeu mais que uma voadeira por trás de um zagueiro argentino ensandecido.

Super-Homem, a Canção — Gilberto Gil

Deus, quando fez a mulher, devia estar mal humorado. Quanta sacanagem, senhor.

O Silêncio das Estrelas — Lenine

Isso não é só uma canção do Lenine. É oração que até ateu reza.

Caruso — Luciano Pavarotti

Eu prefiro a versão do Pavarotti, pois me coloca no devido lugar.

Tears in Heaven — Eric Clapton

Destroçado pela morte do filho de quatro anos, que despencara de um edifício em Nova Iorque, Clapton compôs essa pérola, uma trilha sonora que certamente vai tocar no céu — se o céu existir — quando ele reencontrar o pequeno Conor pulando numa nuvem alada.

 Sempre não é Todo Dia — Oswaldo Montenegro

Eu também achava que Oswaldo Montenegro era chato pra cacete. Até ouvir esse blues e me redimir.

Caçador de Mim — Milton Nascimento

Se alguém aí me encontrar, por favor, me avise.