Não estou nem aí para o que falam de mim. Ou sou eu mesma ou não sou ninguém

Não estou nem aí para o que falam de mim. Ou sou eu mesma ou não sou ninguém

É assim que funciona. Sou difícil de me envolver emocionalmente. Consigo separar muito bem a sensação do sentimento. Paquero. Faço amigos. Amigos de todo jeito. Não tenho dono. Não ligo no dia seguinte. Me esqueço de mandar mensagem. Não me sobra tempo para crises de ciúme, carência, exclusividade, nem nada relacionado à posse. Quanto mais me prendem, mais eu me solto. E quer saber de uma coisa? Minha vida está muito melhor assim.

Como é raro uma mulher livre, de coração autossuficiente, e ainda por cima, sem o menor problema em assumir isso. Já o homem é um autêntico caçador. Normal. É aceitável, permissível, compreensível, irresistível. ‘É da natureza’, costumam dizer. Todo mundo aceita, sem mais nem menos, porque afinal, homem é homem, e homens podem tudo. Sempre puderam. Isso eu aprendi em três décadas, com algumas rugas e muitas lágrimas.

Autonomia, desprendimento, pluralidade. Que me importa? Me importa o direito de agir da mesma forma, se eu bem quiser, até quando for, sem sofrer por isso. Sem sentir culpa, sem me sentir errada ou estranha por não seguir os padrões femininos que algum homem estabeleceu. Não quero olhares tortos, cochichos e dedos apontados. Dispenso julgamento, caras de reprovação e pragas jogadas sobre as minhas escolhas. Eu só quero ser o me faz pulsar. Que mal há nisso?

Valha-me Deus! Estamos no ano de 2015 e as mulheres ainda são julgadas se usam roupas curtas, se não querem casar, se optam por não ter filhos, se viram executivas, mecânicas, ou se pilotam avião.

Dia desses eu estava indo para São Paulo e a piloto se apresentou, desejou um bom voo e aquelas coisas de sempre — que ninguém presta muita atenção. Bastou ela encerrar o comunicado que começou o burburinho, as risadas, as piadas de péssimo gosto e nenhuma graça, como se uma mulher não fosse capaz de manejar aquela aeronave. Ignorância? Machismo? Eu só sei que me irritou profundamente.

Do mesmo jeito que eu me senti molestada com aquela cena, a verdade é que, ser uma mulher livre, também incomoda muita gente. Ser uma mulher livre e autossuficiente incomoda muito mais. Ser uma mulher livre, autossuficiente e decidida, aí, meu amigo, sai da frente porque não tem terno e gravada que segurem essa mulher.

Eu, por exemplo, conserto chuveiro, instalo aparelhos, furo parede, penduro quadros. Regulo o gás do fogão, troco lâmpadas, monto e desmonto móveis. Sou boa com martelo, chave de fenda e alicate. Se isso é coisa de homem, pois bem, me transformei em um homem e não quero voltar a ser mulher.

Meu coração também se bandeou. Largou mão de obedecer e optou por viver, sem a obrigação de um comportamento arcaico que não faz o menor sentido para mim.

Tenho a sensação de que eu cresci e as roupas já não me cabem mais. É isso. Meu corpo mudou, meus pensamentos, minha visão de mundo, meus anseios. Tudo. Continuo mulher, mesmo que insistam em dizer que eu mais pareço um homem. Na verdade tanto faz. Se me transformei em um homem pela praticidade, força e autonomia, que seja, estou bem assim. E assim seguirei.