Amamentar em público exige muito peito das mulheres

Amamentar em público exige muito peito das mulheres

Meu avô era tido e havido como um piadista, um gozador, um incorrigível demolidor de inhacas. Reza a lenda que, a despeito do espírito quase sempre desarmado, ele se armou com um três-oitão e mandou um crápula para o limbo, ao meter na sua fuça uma azeitona de chumbo durante um justo duelo no cabaré, numa época da história em que a maioria dos homens mascava fumo, urinava em pé, honrava os tratos e andava com pistolas dependuradas na cintura. Eram certos tempos brutos nos quais fios de bigode valiam mais do que firmas reconhecidas em cartório.

Pode parecer contraditório, pode parecer grosseiro, pode parecer uma estupidez da minha parte — e claro que é — mas, todas as vezes que eu me sinto invadido por aquele ímpeto primitivo de passar com o carro por cima de gente que não vale o que o gato enterra, fico pensando como seria mais prático ter vivido no tempo das diligências para resolver graves pendengas à bala, em duelos honestos no meio da rua, sob os olhos judiciosos das testemunhas, ao invés de ficar tomando aguarrás diet na companhia desagradável de advogados sinistros que fazem as sobrancelhas. Metrossexuais irritam-me.

Essa história quem contou foi o meu pai. Garanto-lhes que não será uma reles tentativa de fazer piada. Apesar de pertencer à família, tenho mais talento para a tragédia do que para a comédia. Foi assim: vovô morava numa corrutela no interiorzão do Brasil e viajava de Cu do Judas até Curva do Vento dentro de uma jardineira lotada. Numa das poltronas mais à frente seguia uma jovem e bela senhorinha que tentava, sem sucesso, convencer o filho a mamar no peito. Descontrolado, o pimpolho esgoelava como um leitão.

“ — Mama, filhinho! Mama, senão a mamãe vai dar o leite pro gatinho…” , ela blefou. Aquelas palavras foram a deixa para que vovô saísse com mais uma de suas galhofas.

“ — Miau, miau…” , ele imitou, lá do fundo, arrancando gargalhadas dos passageiros. Até a mocinha sorriu da bobagem. Se fosse hoje, o velhote tomaria uma vaia e seria convidado a ir morrer noutro lugar. Caso eu estivesse embarcado naquela condução, acho que riria também. Perdoem-me pelo excesso de senso de humor, leitoras.

O meu editor andava ocioso, ansioso, pernicioso eu diria, e encomendou que eu escrevesse algo a respeito da amamentação em público. Gelei a espinha. Mamar eu não mamava mais. Largara aquele vício incrível tinha bem uns seis meses. Ultimamente, vivia chupando artelhos, que não fazia o mesmo efeito, é verdade, mas remontava à fase oral do irrepreensível desenvolvimento neuropsicomotor da minha primeira infância. Hoje vivo a minha décima sétima.

Confesso que redigi o texto meio nas coxas. Não pesquisei patavina nenhuma sobre amamentação em público. Eu achava o tema óbvio pra dedéu. Pra mim, a hora da refeição sempre fora sagrada. Nada de sexo durante o jantar, sobre a mesa, na frente das crianças. E mais: meus filhos já estavam crescidinhos, de tal sorte que eu andava desatualizado quanto ao lide com fraldas e sutiãs de aba larga.

Ora, amamentar o rebento na frente de estranhos não me parecia uma coisa nada estranha. Era como enfiar o dedo no nariz. São coisas que acontecem. Quando se vê, já foi. Assistir a uma mulher tendo os seios implacavelmente chupados por um sanguessuga de fraudas deixa alguns de vocês constrangidos, indignados, excitados quem sabe?! Isso, sim, soa estranho. Vocês assustam-me.

Se eu parisse gente, se eu fosse uma mulher, não me esconderia em porcaria de canto algum para entupir de leite o buchinho do meu parasita predileto. Se muito, jogaria um pano sobre a cabeça do come-e-dorme, para disfarçar — não me perguntem por que eu disfarçaria —, um ato reflexo, um mero exercício de etiqueta e nada mais. Não faço ideia se existe ou se não existe uma legislação que cuide do assunto. Como eu disse, não tencionava perder tempo com irrelevâncias, embora o editor tivesse me avisado que o assunto era atual, palpitante e fazia ferver as redes sociais com debates quase sempre agressivos.

Se eu possuísse tetas, amamentaria não apenas na praça de alimentação de um shopping center, mas, numa jardineira — se jardineiras ainda houvesse, se vovôs ainda fizessem piadinhas inconvenientes —, num puteiro, o tempo inteiro e em qualquer lugar, na fila, na esquina, dentro da Capela Sistina e até no meio de uma batalha de carnificina.

Eu amamentaria sempre que me desse na telha, ainda que estivesse migrando com refugiados da Síria para um país rico da Europa. Pra mim tanto faz. Bastava que a fome batesse. Eu entendo bem os bebês. Eles têm fome de leite. Eu tenho fome de educação, cultura, respeito, delicadeza e solidariedade. Seria incrível que cada um cuidasse, sinceramente, da própria vida, pois eu soube que Deus anda de saco cheio com tudo isso.