É permitido chorar. Nem tudo precisa fazer sentido, só é preciso sentir

É permitido chorar. Nem tudo precisa fazer sentido, só é preciso sentir

Pintura: Leonid Afremov

Pode acontecer a qualquer um de nós. Aos desiludidos; porque parece impossível encontrar alguém para amar. Aos perdidos; porque cansa procurar sabe-se lá o quê por aí. Aos solitários; porque não querem mais se sentir tão sozinhos. E aos enfermos; porque é incompreensível a aceitação de uma doença.

Pode acontecer de ela chegar a qualquer momento. A tristeza é uma senhora taciturna e discreta, e entra na sua morada sem ter sido convidada. Traz sua malinha carregada de saudade, instala-se na sua sala sem cerimônia, e começa a tricotar um casaco de amarguras cinzentas.

Você tenta ignorá-la por um tempo; mas ela continua lá, na ponta do seu sofá, à espera de você finalmente se sentar ao lado dela.

É como se você tivesse sido colocado em um espaço vazio, uma pedra lançada ao fundo do poço. Seu espírito enlouquece no vão escuro da melancolia. Enquanto dentro de ti há um sonho secreto, é aquele desejo guardado nas penumbras do cotidiano.

A vida com seus livros, seu animal de estimação, afazeres domésticos, família e o trabalho lhe preenchem os dias. Até chegar aquele instante em que aparece uma incerteza sobre suas escolhas. Você pensa como teria sido sua trajetória se tivesse seguido aquele caminho que resolveu deixar para trás.

Entretanto, na solidão de seus passos, consegue perceber que algo mudou dentro de você, algo que você nem entende direito o que é, mas sabe que já pode começar a dizer a si mesmo.

Então, em uma noite sem estrelas como essa, descobre que cabe a você saborear a dor da ausência sem definhar-se em desgosto. Com uma taça de vinho, brinda à solitude quando a solidão ameaça te invadir. Ao viajar para dentro de si mesmo, encontra algumas respostas.

É que muitas delas estão ocultas e submersas nas profundidades de um mar de dores e medo. Ao mergulhar de si para si, aprende abandonar o que não é possível ser, e encontra sua própria existência.

Assim, não sente tanta culpa ao pensar naqueles que partiram da sua vida. Lembra-se que tem partida que também é chegada, e sonha à vontade com quem ainda não chegou. Sorri mesmo quando lágrimas surgem, e abraça o sentimento com vontade. É o seu próprio silêncio. Olha ao redor com o coração quieto e a alma aberta.

A vida fica mais leve quando declaramos ao mundo que as coisas não precisam fazer tanto sentido. Só é preciso sentir. Livrar-se do destino. E chorar de vez em quando.

Então, chore. Chore para sossegar os sonhos frustrados; mas chore somente o tempo suficiente para se recuperar e dar a volta por cima, e não a ponto de deixar os olhos fechados de tão inchados. Enquanto você sobrevive, atento, perceberá que a vida segue.

Você volta pra casa. Encontra a tristeza sozinha; ela já terminou seu casaco de lã tricotado com as linhas tortas da vida. Você senta ao seu lado no sofá frio e gelado, veste sua roupa nova e suspira, aliviado. Apanha o livro sobre a mesinha e começa a ler para ela: “Isso não é um lamento, é um grito de ave de rapina. Irisada e intranquila. O beijo no rosto morto”. (Clarice Lispector)