A beleza é uma embalagem. O que realmente importa vem de dentro

A beleza é uma embalagem. O que realmente importa vem de dentro

De mansinho, eles começam a aparecer, um a um. No início, nem são notados, até que fica difícil ignorá-los. Aos poucos, você desiste de se desfazer deles, até finalmente assumir: os cabelos estão ficando brancos. Se despender alguns minutos frente ao espelho, percebe que uma ou outra ruga de expressão parece ter brotado do nada e uma gordura alienígena se instalou em seus flancos sem pedir licença de uns tempos para cá.

De alguma forma estranhamente rápida, você agora detém responsabilidade sobre si mesma. Imposto de Renda já faz parte de sua vida, como também previdência privada. Interessa-se por decoração de interiores, vinhos e política. Não tem mais pique para emendar uma balada em outra e valoriza os preciosos minutos de silêncio que um dia corrido permite ter. Já descobriu um escritor favorito, aprecia filmes de qualidade e ambientes cujo volume musical permite uma boa conversa com os mais caros amigos. Não tem jeito, a idade a deixou mais seletiva.

É uma fase curiosa essa transição da mulher. Inseguranças bobas dão lugar a filosofias de vida. Algumas certezas aos poucos inundam a personalidade, mais segura a cada dia. Ainda assim, embora tudo pareça caminhar em paz e ao inteligente compasso da natureza, inicia-se um verdadeiro bombardeio midiático nesse momento da vida feminina. A mulher, na passagem da juventude para a maturidade, é alvo de uma infinidade de soluções para manter o que o tempo implacavelmente se incumbirá de levar embora. Surgem cremes anti-idade, cirurgias, massagens milagrosas, comprimidos diversos, alimentação espartana e um sem-número de possibilidades que carregam a promessa de vida mais feliz. Tudo convergindo em subliminar e impiedoso aviso de que, se não tomar conta logo, o destino há de ser cruel.

Não é difícil preencher um dia inteiro com programas especialmente voltados ao corpo. O mercado de beleza e juventude eterna é envolvente e convidativo, como as fotos de modelos atléticas e esguias a desfilar por folhas de revista e perfis de Instagram. E nós, protagonistas de uma vida normal, ficamos em um limbo entre a fantasia vendida por publicitários inteligentemente oportunos e a realidade inevitável do relógio que não para.

O tempo todo, em especial nessa fase de transição, estímulos diversos nos batem à porta gritando que é bonito ter um corpo sarado, um cabelo de Gisele e, mais ainda, um rosto completamente livre de rugas, mesmo que isso faça nenhum sentido após certa idade. Não é difícil gastar milhares de reais na guerra contra natureza e gravidade, embora no fundo saibamos que, apesar de todas essas influências, o que realmente tem valor simplesmente não tem preço.

Não digo que beleza não abra portas, é claro que muitas vezes sim. Mas afirmo com toda certeza: qualquer entrante é retido na sala de estar se não encontra nada além. A casa daquelas que só possuem corpo sarado e rosto lisinho nada mais ostenta do que uma belíssima sala de entrada, com todo o resto construído em pau a pique. É bom investir na embalagem, mas não a ponto de torná-la mais interessante que o conteúdo, sob pena de o presente perder a graça.

Experimente passar um dia bem vestida e maquiada, mas carrancuda e mal-humorada. Não há Cristo que faça um elogio sequer, nem aqueles por conveniência. Por outro lado, andar de cara lavada num dia de boa autoestima é certeza de atrair olhares e palavras doces por todo lugar. No íntimo, não importa o que se tente vender sobre beleza, a necessidade humana vai muito além de uma fonte ornamentada. É preciso que haja água de verdade.

Não há academia que substitua uma garrafa de vinho pela metade, ao som de boa música, enquanto gargalhadas despretensiosas ecoam a rememorar a infância entre amigos.

Não há dieta miraculosa que compita com a felicidade de um passeio gastronômico, em companhia da família, programando a próxima viagem que, entre desentendimentos engraçados e amores verdadeiros, renderá um álbum que será folheado em cada evento comemorativo.

Não há creme antirrugas capaz de aplacar os vincos de olhos fechados pelo riso fácil, após uma noite de promessas de cumplicidade eterna, em meio a lençóis quentes de afeto e paz que só o amor consegue oferecer.

Não há massagem poderosa que substitua aquele brinde entre colegas de trabalho pela conquista dividida após um suado ano de esforço e dedicação.

Não há roupas decotadas, curtas ou coladas que se sobreponham a uma conversa inteligente e bem-humorada capaz de durar um dia inteiro sem que se perceba o passar da hora.

Não há publicitário tão mágico a ponto de desenhar uma vida genuinamente feliz. A beleza é incrível, mas, principalmente, quando obtida no amor, na alegria, na cumplicidade, ou em qualquer desses sentimentos maravilhosos que preenchem a alma com o que de fato importa.