O deputado, a empreiteira e a assessora parlamentar sem lingerie (uma picante história dos bastidores do poder)

O deputado, a empreiteira e a assessora parlamentar sem lingerie (uma picante história dos bastidores do poder)

Isso é uma indecência. Estima-se que 3% do PIB evaporem em corrupção e propina. Embora os dados não sejam do cassino do IBGE, acredita-se que estejam subestimados, assim como as contas secretas e as hemorroidas (quem tem só confessa sob delação premiada). Estimados contribuintes, odeio admitir que não passamos de um bando de patriotas nada confiáveis. Eu, por exemplo, não confiaria uma vida, nem uma bolsa de colostomia aos seus cuidados. Vocês metem-me medo, camaradas. Não duvido que metessem as mãos em titica em busca de vantagens.

Nos últimos dias, um sem número de paladinos da ética, moral e civismo escapou do status quo para lambrecar a cara com tinha guache verde-amarela, cantarolar o hino nacional com a letra de Joaquim Osório Duque Estrada cheia de erros, e conclamar a volta messiânica dos militares ao poder, como se eles fossem uma espécie de purgante para a prisão de ventre moral que trava o desenvolvimento da nação desde o Descobrimento.

Hipócritas irmãozinhos, meus pares da ideação rasteira, parem as suas máquinas de maquinar em causa própria, deem-me cá uma forcinha: deixem em paz as Forças Armadas. Amados, permitam que os milicos sonhem-se heróis de novas guerras, enquanto nós erramos, guerreamos contra um cinismo e uma desonestidade aderentes à cútis feito uma nódoa, e que parecem advir dos berços. “Deitado eternamente em berço esplêndido, ao som do mar e à luz do céu profundo…”. Lembram-se dessa parte do hino? Daí pra frente, todo mundo se atrapalha na letra. É um inferno.

Tá certo. Concordo. Eu também não gosto quando colocam parentes no meio de uma troça, a não ser que se trate de nepotismo, porque, nesse caso, todos saem ganhando. A famiglia em primeiro lugar, é o que dizem. Suponho que eu lhes pareça tolo demais, grosseiro demais, presunçoso demais, conformado demais com a bandalheira que solapa os governos. Não.

Toda essa lenga-lenga, esse embate de ideias, essa retórica supostamente democrática, tudo isso é uma selva, uma enlevação dos umbigos. Do ponto de vista anatômico, é primordial que mantenhamos os corações tranquilos, enquanto buscamos saídas dignas para as mazelas históricas e as donzelas histéricas que insistem na tese de que os panelaços na varanda sejam um valente ato de insurgência, uma cura que se preste ao câncer da corrupção.

Antes de surrar a lata, é urgente, iminente deixar de exigir do Estado — por exemplo — que as despesas oriundas das cirurgias plásticas estéticas sejam abatidas no bojo do imposto de renda devido. Ora, isso não se pede. Isso é um pleito indevido, por mais que os peitos caídos mereçam reconhecimento pelos relevantes serviços prestados à coletividade.

Por falar em narcisismo — favor, não confundirem com nazismo — caí na tentação de rever o filme “Instinto Selvagem”, que estraçalhou as bilheterias em 1992. Aos mais jovens, vou logo explicando: não; não se trata de um filme de guerra, de uma hercúlea saga na floresta, de um documentário a respeito dos bastidores da política, dos nossos subterrâneos particulares onde se articula contra o erário e contra os coirmãos — tanto faz, é tudo a mesma coisa.

“Instinto Selvagem” é um filme policial, um thriller em que a voluptuosa personagem de Sharon Stone — desabituada ao uso regular de lingeries — expõe a glabra e sorridente fenda genital, num sensual jogo de pernas, aos constrangidos investigadores de um crime, durante um interrogatório na chefatura. Nenhum de vocês me perguntou coisa alguma, mesmo assim, eu afirmo que os meus pensamentos sempre escapam voando quando ela descruza as suas pernas de louça.

E daí? Em que ponto a coisa toda se encaixa? O que há de comum entre a nudez parcial de Sharon Stone e os putrefatos engenhos do poder sepultados nas entrelinhas dessa prolixa e enfadonha história? Ora, se a personagem fictícia despachasse em Brasília; se ela trabalhasse numa ONG fajuta de fachada; se ficasse incumbida de fazer uma ponte, um contato, um meio campo, um lobby fundamental; se a bonitona da Bala Chita tivesse um cargo comissionado no Senado, na Câmara, na cama, na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapé; se ela fosse uma daquelas assessoras comprometidas com a causa prevaricadora; certamente já teria sido banida dos esquemas extraoficiais vigentes, pelo simples fato de sair para o trabalho sem lingerie. Pode parecer uma irrelevância, mas, já ficou provado que meias, cuecas e calcinhas compõem vestuário obrigatório, indispensável à eficaz prática de crimes do colarinho branco. Isso é uma indecência.