Que Deus jamais me faça nascer mulher ou escritor

Que Deus jamais me faça nascer mulher ou escritor

Bolei. Será que os homens também sofrem as agruras de uma TPM? Deve ter um pedaço de ovário a germinar num canto qualquer das minhas entranhas, atrás de uma tripa, sei lá. Só pode. Quem sabe, ele brotará calado na curva estomacal, disfarçado de víscera irrelevante, lado a lado com o meu panceps. O bom e velho panceps. O que será isso?

Hoje eu me sinto tão irritado que nem prozac ou um tonel de chocolate meio amargo adoçariam o meu dia inteiro. Acordei mau humorado, antissocial, sem motivo plausível além do fato de ter que me encarar no espelho. É isso. Tô mais decepcionado e tristonho que um carrasco com L.E.R. nas mãos. O que é L.E.R. ? Leia isso: lesão por efeito repetitivo.

Já disse e repito: acordei com a pá virada. Tentei de um tudo para me recompor, para entrar nos trilhos, mas a cólera, vocês sabem, é um trem descarrilado. Sei que a ideia é démodé, mesmo assim, experimentei a antiga terapia do grito primal, mas as traças do armário não aluíram com o berreiro. Os bichinhos não apenas mantiveram o ofício de roer o pano, como riram-se de mim. Pode isso? Sofrer bullying até de um inseto? Há algo de escuso na escala animal, eu garanto. Aqueles bichos encaravam-me com ar superior.

A gastura inexplicável que me atinge de tempos em tempos não se aplaca facilmente. Como diria uma freira às vésperas de menstruar, eu estava naqueles dias. Apliquei cerveja a granel nas engrenagens mentais, experimentei ficar bêbado, o que me deixou tão amortecido que cogitei trocar ira por melancolia, o que seria um péssimo negócio, eu suponho. Chegava de tanta tristeza e melodrama. Já era o bastante estar vivo, partícipe de um mundo sem tanta atratividade e encanto quanto se dizia por aí.

Sei lá, pode parecer muita loucura e pretensão da minha parte, mas, tem certos dias em que eu me sinto mulher, sabem como é? Não a ponto de sonhar em beijar um sapo, ou de me atrever a urinar sentado, ou de ter orgasmos múltiplos por causa de palavrões múltiplos sussurrados ao ouvido, ou de expelir um ser humano pelo vão das coxas, ou de fazer dez coisas de uma vez só como se fosse um polvo. Tudo tem um limite, até os quereres, até os tentáculos de uma mulher multi-tarefas, até a minha falta de assunto, até a paciência de vocês, eu imagino.
Não sei se resta algum leitor até aqui, mesmo assim, vou escrever como se estivesse num boteco, o melhor confessionário que se tem notícia desde que alguém criou a guilhotina e as últimas palavras. Não sei se vão concordar comigo mas, mesa de bar é mil vezes superior a um divã. Sem contar que se pode mandar pra dentro um torresmo, uma salmonela, ficar inebriado e desejar uma latrina, a mulher do próximo, com toda sinceridade, do fundo do coração e das tripas.

A happy-hour faz milagres. Quer ouvir a verdade? Mande descer uns canapés, entupa alguém com chope e peça que fale até espumar os cantos da boca. Você vai ver o que é bom pra tosse. Esteja preparado para ouvir certas coisas desagradáveis da boca de quem você ama. Dos seus melhores amigos, por exemplo. Ou dos seus leitores, se você é um daqueles escritores esforçados que pelejam por aí em busca de algum reconhecimento pelo conjunto da obra.

Pelo amor de Deus, alguém aí — um polvo, uma traça, uma mulher — me traga um calmante, uma inspiração, e sinalize de uma vez por todas aonde esse texto quer chegar. Hoje acordei perdido.