Sabemos onde fomos, mas não enxergamos onde poderíamos ir

Sabemos onde fomos, mas não enxergamos onde poderíamos ir

Não há luz nesse cômodo onde o sol se escondeu atrás da própria sombra. Suas visitas nesse momento são as dúvidas e as dívidas de compromissos que se multiplicam em contas para pagar, e são também as picuinhas dos invejosos e dos mal-humorados que só atrapalham a sua humilde tentativa de viver em paz. Você quer sair desse lugar apertado. As janelas da sua alma estão fechadas, está tudo escuro e seu silêncio dói. Que miserável! Como pode alguém viver assim? Perdido nas profundezas da vida, ocultado da sua própria sorte, subjugado por seu próprio medo.

O mundo está estranho. Ele virou escuridão, é como se você tivesse ficado cego de repente. Hoje a noite chegou sem estrelas e sem esperança. O que é que você faz? Você sai caminhando por aí, vai procurar as palavras que se perderam dentro de ti.

Você para e senta sobre uma pedra. Está em um campo aberto, onde o vento frio fere o seu rosto cansado e congela a sua amargura, lembrando-lhe o peso da solidão. Você se rende, desiste e deita na grama gelada. Vai dormir ao luar sem lua de um céu triste, na campina deserta.

Antes que você caia no sono profundo dos desesperançados, um som te chama a atenção. Uma melodia calma que vem de longe, bem longe, mas vem aumentando e vai te invadindo devagarinho, até você se levantar da sua sonolência acordada .

Primeiro chega a flauta soprando doçura. Depois vem a harpa mostrando imponência com a elegância das suas cordas dançarinas. Então o trombone anuncia a chegada dos violões, triângulos e clarinetes. Todos, juntos, tocam e cantam e vibram a sua festa; você permanece no escuro, mas já consegue ver!

Você está rodeado por colinas arredondadas; tapetes verdes se perdem no horizonte e trazem a calmaria da noite alta, quando os últimos raios de luz se esconderam atrás da terra. Ciprestes se arquitetam na paisagem da Toscana e se juntam, agora, a violinos e violoncelos devidamente posicionados. Mágica no ar, poesia nos campos e música no céu. Seus ouvidos são seduzidos pela paixão do tenor que, mesmo sem poder enxergar, ainda toca piano.

Seu mundo desperta na voz que traz luz à escuridão no meio da orquestra. Surpreso, você sente o sorriso no respiro do homem que canta de olhos fechados e coração aberto, sublimando a sua alma. O céu, antes tão distante, hoje ficou perto porque você e a música estão juntos.

A verdade é que ninguém jamais nos ensinou a viver. Viver é bonito, mas muitas vezes nos esquecemos como fazê-lo. Então pessoas como Andrea Bocelli nos mostra o caminho, pois ele enxerga através da sua escuridão de deficiente visual no meio de uma orquestra, sentado ao piano, tocando e cantando com maestria.

Quantas vezes deixamos de fazer algo por medo de tentar? Quietos, criamos uma sombra no fundo da nossa alma. Por receio, não percebemos que na voz do tenor está a coragem que nos eleva ao brilho e à força para compor a nossa própria música. Então, por que não viver agora? Viver para depois entender o inesperado?

Vamos aprender a falar outras línguas, viajar para outros países, conhecer novas culturas. Vamos olhar para o lado e dar a mão a quem nos pede, e pedir a mão para alguém também. É hora de perdoar mais e brigar menos. Amar mais, muito mais. Odiar menos, muito menos. E sonhar, sempre!

Eu quero sair correndo por aquelas colinas do coração da Itália! Já me vejo lá, não importa quando. Vou andar pelas estradas onde há campos de girassóis e plantações de uva, tomar vinho olhando o infinito onde a noite se deita nas montanhas verdes e azuis e misteriosas. Vou molhar meus pés nas águas cristalinas do Mar Tirreno e assistir o mergulho dos penhascos, com os braços ao vento para saudar esse sonho de acreditar.

Atreva-se a ser pianista da sua vida no seu tempo que fechou. Pro seu dilúvio, toque um prelúdio e segure as notas com o pedal. Fique firme na sua canção, perca-se nas escalas, conheça graves e agudos, e, se errar, comece outra vez. Faça da música o grito das estrelas e quebre o silêncio com esta linguagem universal.

Ouça. Cada coração é um pulsar de vida, de amor e de esperança.

Toque, atreva-se e viva. Viva agora!

(Para minha mãe, que me presenteou com o DVD “Vivere — Live In Tuscany”, de Andrea Bocelli).