Vem! Acabe logo com essa saudade!

Vem! Acabe logo com essa saudade!

Chega o fim de ano e começam as confraternizações. Vamos a encontros calorosos para celebrar o trabalho e a amizade. Agradecemos as coisas boas, iniciam-se as decorações e as compras de presentes. Fazemos amigo secreto e o pé direito fica pronto para entrar no próximo ano. Afinal, é momento de festejar! Mas… peraí. E o que fazemos com essa visita inesperada: o vazio daquilo que não virá?

A nostalgia não perdoa nem pede licença, invade assim nossa morada, mesmo em clima de festa. Ela se lamenta pelo divórcio que fará os filhos receberem presente do Papai Noel em outra casa. Chora porque mais um romance não deu certo. Reclama que trabalhará no dia da virada. Esperneia porque não cumpriu metade das metas que tinha planejado. E assim, traz consigo as expectativas que estavam esquecidas — ou não.

É o pai que nunca mais ligou, outro concurso público que não chamou e mais um trabalho que não engata. E o amor, ah… Por onde anda você? É tanta dúvida rodando a nossa cabeça que dá vontade de chutar a resiliência! Quem nunca sentiu isso? Eu já! Às vezes tenho vontade de pausar essa luta de ser forte todos os dias e pedir um pouco de carinho. Alguém, até mesmo um desconhecido, pode por favor me abraçar e dizer que está tudo bem?

E foi assim que aconteceu. Esses dias, enquanto trabalhava, encontrei uma senhora bem idosa. Ela me disse que estava se esquecendo de coisas do dia a dia, mas seus poemas ela ainda sabia todos decor. Contou que aprendera poesia na escola e nunca mais se esquecera. Num ímpeto de loucura e curiosidade perguntei se ela declamaria um poema para mim. Imagine a cena. Ela se levantou e declamou Vicente de Carvalho; dançou suas mãos pelo ar, no ritmo do seu coração, enquanto minha alma era transportada para dentro daqueles versos.

Foi assim que percebi que a saudade está no poema declamado da vida que escrevemos todos os dias.

Acontece que nem sempre a vida nos ensina sentir a saudade. Se alguém partiu de repente, você ainda fica esperando ele entrar por aquela porta outra vez. Se você viaja a trabalho, sofre ao deixar o filho ainda tão pequeno para trás. Essas saudades criam buracos dentro da gente que vão se amontoando até formarem um buracão. Chega uma hora que ficamos perdidos no vão da saudade a ponto de precisarmos recomeçar.

E quando ficamos presos ao vazio da alma, também sofremos por algo que ainda não tivemos. O sonho que não se realizou, o romance que não aconteceu, o filho que nunca nasceu. Porque a saudade do que ainda não existiu também existe, e ela sempre fica maior no fim do ano.

Já que a nostalgia entrou e nos empurrou até a beira do abismo, vamos além: cair de cabeça no vazio, um mergulho fundo na alma! Para jogar fora papéis com sonhos amassados e mandar embora qualquer desilusão! Guardar somente as lembranças que continuamos amando, mesmo que hoje elas sejam apenas uma saudade. Mas também separar as saudades que nos empurram para frente daquelas que nos deixam estagnados.

E, então, abraçar com carinho a saudade daquilo que ainda não vivemos, cuidar para que esse pedacinho precioso do buraco seja regado mais vezes com esperança. Deixar o sol entrar para florescer, pois o novo amor nasce onde a saudade mora.

Sinto falta da casa dos meus avós paternos, do sorvete de groselha que a vovó fazia na forma de gelo e das caminhadas com meu avô no final do dia. A saudade está na maratona de “Friends” no domingo à tarde, são meus irmãos pequenos, tem cheiro de pão quentinho da mamãe saindo do forno e é carta dentro da caixa do correio. Saudade é amor que já sei foi e amor que nunca chegou. Fica alegre na espera do reencontro e quando é triste nos ensina a ser forte.

Assim, o meu desejo para essas festas é que a saudade venha num poema declamado. Que compreendamos o que não podemos mudar e que mudemos o que há para ser feito. E brindemos as lembranças que nos levam a nossa morada, pois é nela que há de chegar o novo amor.

Adeus, sonho velho! Feliz amor novo!