Motivos pra não me mudar do Brasil

Motivos pra não me mudar do Brasil

As aves. As aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá. Ora, não me lancem artilharia pesada. Guardem suas pedras para quebrar as asas da imaginação, que esse mundo não passa mesmo disso: pura ilusão. “É plágio”, vão me acusar. Putz! Não estou plagiando Goncalves Dias, estou citando Goncalves Dias. E por falar na luz do dia, as nossas noites são muito mais lindas que as noites deles. Quem nunca mirou o céu estrelado do centro-oeste brasileiro sem se descobrir pequeno, sem se sentir insignificante, um perdedor, não sabe o que está ganhando.

É fato: os corruptos que aqui saqueiam saqueiam como lá, eu sei disso, só que em menor grau. Há pouco a se comemorar, mas, brasileiro — vocês sabem — adora confraternização, um churrasquinho na laje, ponto facultativo, um feriado santo pra cair na margaça. Brindemos, então, com a bile dos desdentados: de acordo com um recente relatório da organização Transparência Internacional, quanto à percepção de corrupção ao redor do mundo, o Brasil ficou classificado na posição 69 do ranking (Uau! O petróleo e o bola-gato são nossos!!) dentre 175 países analisados. Em termos de maracutaia, tem país pior que a gente. Notem: além da carteira que me bateram ontem, nem tudo está perdido.

Cresce entre os asseclas do meu convívio o desejo de dar no pé, de cair fora do país, de tentar a sorte no estrangeiro. Uma legião de indignados justifica a intenção de se escafeder alegando que a violência tá demais, que a impunidade tá demais, que a saúde pública tá de menos, que o governo (em todos as esferas) e seus apaniguados estão roubando pra caramba, muito além da média histórica desde que as caravelas aqui aportaram para distribuir espelhos e treponemas aos índios.

Com tanta gente cogitando abandonar o navio (ou essa constatação é um viés, uma percepção elitista equivocada?), cismei em anotar alguns motivos plausíveis para não mudar do Brasil, se é que outras nações cobicem tanto assim a nossa companhia. Receio que não sejamos tão simpáticos e bem vindos quanto imaginamos. Uma coisa foi nos embebedarmos com os gringos durante um mês inteiro de Copa do Mundo de Futebol. Farra boa, eu reconheço. Outra coisa é dividirmos o teto, compartilharmos quilos de sal, disputarmos mercado de trabalho com eles. Brasileiro — eles dizem — são criaturas divertidas, mas, pouco confiáveis.

Parando pra pensar, além das aves gorjeadoras, do céu estrelado, e da parentalha querida, eu penso que não posso me mandar do Brasil por causa do carnaval, por exemplo. São para mim quatro dias oficiais de ócio garantido para que eu suma do mapa carnavalesco e permaneça numa distância segura dos trios elétricos, dos bebuns inconvenientes (detesto gente com excesso de alegria), das colombinas trepadeiras sem tutano, do cheiro de ureia que impregna as ruas durante o reinado de Momo (nem mesmo com sabão Omo, a catinga sai).

Também não devo cascar fora daqui por causa das praias: considerando que o Brasil conta com mais de sete mil quilômetros de litoral, posso perfeitamente vislumbrar o vai-e-vem das ondas, à distância, sentado no calçadão, à sombra de um coqueiro, longe de meter os pés na areia, de sapecar o lombo esquálido no sol escaldante, de tolerar o enxame de ambulantes, de me perder entre bundas sorridentes besuntadas com bronzeador. Eis o meu plano: tomar chopes devagar, divagar por que a vida passa apressada.

Sexo. Por causa do sexo, digo ao povo que fico. Uma recente enquete entre jovens executivos nos toaletes da ONU revelou que o Brasil é a nação do globo onde as pessoas mais fazem sexo. Amar ou deixar? Amar, é claro.

Povo. O povo brasileiro. O povo brasileiro é mesmo um povo generoso, solidário, religioso e trabalhador. Quase sempre desonesto, é verdade, mas ninguém é perfeito. A piada, por fim, se repete: tem gente que prefere vulcão, tornado, inundação, a terra que treme, um prédio que cai. Apesar de tudo, eu ainda prefiro as pessoas. Então vou ficando por aqui mesmo. Junto e misturado com os meus irmãos de fé (ou da falta dela).