Felicidade, quando dá, tristeza nenhuma segura

Felicidade, quando dá, tristeza nenhuma segura

Olha, nem adianta. Não há o que fazer. A gente aceita e pronto. Esse negócio não tem cura. Quando bate, derruba. Felicidade é fogo. Não tem remédio, injeção, simpatia, massagem, terapia alternativa, intervenção cirúrgica, emplastros, unguentos, compressas, fórmulas homeopáticas, reza brava. Nada! Quem pega uma vez felicidade tem de viver com isso para sempre.

É certo que ela vem e volta. É da ordem das doenças crônicas. O sujeito sente uma pontinha de alegria distante, lembra um dia bom que ficou lá atrás, encontra um alguém querido, recebe uma notícia boa e está feito o quadro. A crise se prenuncia e aí não tem jeito, é correr e tratar. Porque, você sabe, felicidade não tem cura. Só lhe cabe tratamento.

Pessoa em crise de felicidade carece sair por aí e pular corda, abraçar desconhecido, trocar figurinha, dar bombom de presente, tirar a poeira dos livros, encostar o nariz no focinho gelado de um cão ranzinza até sentir o lábio inferior tremer de medo da mordida súbita e seca. Gente feliz não se aguenta, faz as malas e vai à praia, vai ao mundo. Pega o telefone e liga a alguém querido só pra dizer o quanto está sempre torcendo por ele.

A verdade é que os sintomas dessa enfermidade são tantos quanto o número de adoecidos sorrindo fácil por aí. Tem gente feliz que levanta às três e meia da manhã e mergulha no trabalho, os olhos duros de remela e um riso de criança quando sobe num avião pela primeira vez. Também tem aqueles que, doentes de felicidade, nem dão as caras no trabalho e só vão ser vistos no dia seguinte, a pele marcada do sol na piscina. Tem os que falam, os que riem, os que choram, os que veem fotografias velhas, os que marcam reunião de turma antiga. De quando em vez, a felicidade vem com um desejo irresistível de bondade. Obriga o enfermo a ajudar quem estiver perto, seja lá que tipo de ajuda for.

Contagiosa, felicidade pega até de longe. A criatura feliz sai por aí espirrando sua alegria e os germes de festa se espalham e proliferam e só param quando encontram uma tristeza dando sopa. Porque felicidade, quando dá, tristeza nenhuma aguenta.  Sai correndo se esconder debaixo da cama. Mágoa, abatimento, consternação, melancolia, aflição, amargura, infortúnio, dissabor, desgosto, tudo isso foge de medo à chegada simples de um sentimento feliz.

Mas ela vem, faz a festa e vai embora. É sempre assim. Moléstia caprichosa. Quando some, deixa no doente um vazio convalescente, uma tristeza vaga, uma saudade boa de uma tarde perfeita, uma esperança aborrecida de que ela retorne de pronto.

E ela sempre volta. Torna a dar as caras do nada, como um ímpeto de sair dançando por aí. Vem jogando em nosso colo que viver é urgente, que a morte não avisa e que a gente podia mesmo é dar um jeito de viver para sempre. Como não pode, é melhor viver e amar sem mais, tomar o coração nas palmas das mãos e entregá-lo a quem interessar possa.

Detalhe: ao bom doente, a felicidade sempre vem mais forte que na crise anterior. Vem urgente, violenta, pedindo tratamento intensivo e, ao mesmo tempo, simples. Porque felicidade se trata com a vida. Gente feliz precisa é viver em altas doses, em seu tempo e até o fim, quando ela mesma, encarnada no sorriso de uma moça linda e jovem, nos levará em seus braços ao outro lado, sofrendo para sempre de saúde franca e alegria generalizada.