Paul McCartney fala com exclusividade a Revista Bula

Deu nos jornais que Paul McCartney trouxe chuva ao Brasil. Eu nem precisava ler, pois presenciei parte da coisa bem de perto. Paul derramou lágrimas do céu e chuva dos olhos dos fãs. Na sua passagem por Cariacica, Brasília e São Paulo, ele deu banho de vitalidade e carisma. Salvou o meu ano e, ainda por cima, está me ensinando a relevar a humanidade. Quando vejo Paul McCartney metendo bronca no palco, brilhando como um daqueles rojões que sempre espocam durante a performance ao vivo de “Live and let die”, chego a pensar que o ser humano talvez tenha remédio. “The love you take is equal to the love you make”. É isso aí.

O ícone britânico é um homem riquíssimo que não precisa mais dar duro na vida. Excursionar pelos quatro cantos do mundo para fazer shows monumentais, enfrentar jet lags, passar dias a fio fora de casa, permanecer recluso em hotéis, tudo isso me parece uma rotina cansativa e estafante, ainda mais para um “velho” como ele. Por que Macca simplesmente não se aposenta para usufruir da inércia da fama, do conforto material que a grana propicia? Paul é um fominha. Será que é viciado em receber amor? Tomara. Não sei.

Só sei que ele não come carne animal, e isso é fato. Paul é vegano e não come nada que respire, que pese mais de quarenta quilos, que faça tibum quando cai n’água, nem mesmo se for uma de suas tietes mais desinibidas. Isso de aproveitar a fama para traçar a mulherada é uma coisa que ficou no passado. Afinal de contas, Paul já não é mais um adolescente, embora se pareça com um deles quando sobe ao palco para cantar de forma ininterrupta durante quase três horas. Vai encarar?!

Esse papo beatle já encheu o saco? Alto lá! Não é bem assim. Música de qualidade não tem prazo de vencimento. Bom gosto musical é passado de geração a geração. Me entenda bem: até o Papa Francisco aprova um resvalo na devoção mundana. Por meio de suas declarações e atitude, o carismático pontífice de saias tem surpreendido a todos ao redor do mundo. O rebanho de crentes e simpatizantes não para de crescer. Guardadas as devidas proporções, poder-se-ia dizer que o Santíssimo Padre gera uma onda de “papamania”.

Recentemente, vazou na internet um vídeo caseiro no qual o band leader da igreja católica aparece na sacristia da Capela Sistina chacoalhando os esqueletos da Igreja ao som de “I want to hold your hand”. Suponho que enquanto rebolava sob a bata branca (até parecia o Elvis na fase gorducha), Sua Santidade imaginava-se segurando na mão de ninguém mais, ninguém menos, que a própria Virgem Maria. Se estivesse vivo, o sarcástico John Lennon teria rido e caçoado da cena fake. E zoaria também do seu septuagenário parceiro musical, que até hoje excursiona pelo planeta, a manter acesa a chama beatle no coração das pessoas.

Certamente, alguns que me leem nesse instante vão esbravejar que tudo o que eu escrevi até aqui não passa de enchimento de linguiça, que esse preâmbulo é pura blasfêmia, uma heresia, uma indelicadeza, e que eu deveria me tocar, me tratar, me confessar, me arrepender, me converter, me lascar (preferencialmente), dar um tempo, dar o fora, dar o rabo, qualquer coisa que me fizesse parar de ficar amassando barro, ao escrever reiteradas vezes certos textos alusivos aos Beatles, uma extinta banda inglesa proveniente do século passado.

Ora, vejam só quem tá reclamando! Faz mais de dois mil anos que o homem conta e repercute a vida e a paixão de Cristo. Que mal poderá haver no simples fato de um remoto fã como eu render tributos aos seus artistas prediletos? Vão queimar os meus livros em praça pública? Rá! Se deram mal! Eu só tenho um livro publicado e ele está com edição esgotada, graças a Deusmar da gráfica (minha família é numerosa e comprou quase todo o estoque disponível; o restante as traças comeram e foram todas parar no cemitério).

Foi delirando assim, que eu me ofereci ao editor-chefe dessa revista para viajar até Brasília, a fim de cobrir o espetáculo “Out There”, de Sir Paul McCartney e entrevistá-lo, como já fiz algumas vezes (Coisas que ninguém perguntou a Paul McCartney, mas eu sim). Assim que ele assentiu “Sim, vá e não pesques mais”, abriu a pomposa carteira, começou a apartar as cédulas de 100 reais, e eu fiquei tão excitado que quase me esqueci que o Governo Federal gastou cerca de um bilhão e meio de impostos para reformar o Estádio Mané Garrinha, local onde ocorreria o evento. Apesar da minuciosa apartação de notas verdinhas, o obeso editor careca (Viva o bullying consentido!) entregou-me apenas duas notas de 50 pratas, recomendou comedimento nos gastos, e requisitou que eu apresentasse, além dos recibos comprobatórios, uma das mais impressionantes entrevistas já concedidas pelo ex-beatle. Então, para não partir a sua cara, eu parti.

Naquela noite chovia tanto no DF que a primeira música tocada pelo DJ durante o “esquenta” da plateia foi “Rain”, uma das mais interessantes e subestimadas composições de Lennon e McCartney. Logo de cara, percebi que o show seria antológico. De fato, algumas antas furaram as filas de acesso ao estádio. Bom gosto musical não implica necessariamente em boa educação. Mesmo assim, a entrada àquele estádio banhado em ouro foi relativamente tranquila e civilizada.

Depois subir ao palco com a sua longeva banda de notáveis, para proporcionar o mais empolgante show que eu já vi na vida, um vitaminado Paul McCartney concedeu a este cronista uma entrevista exclusiva no camarim dos meus sonhos. O papo rolou regado a coquetéis de frutinhas do cerrado sem álcool (que pena, Paul!), adoçados com açúcar mascavo. Delicado e gentil como sempre, o autor de “The fool on the hill” respondeu aos meus questionamentos da forma que os seus fãs mais apreciam: cantando. Penso ter ficado com aquele semblante de tolo na colina. Confiram.

Bula — Tô me sentindo tão feliz de estar aqui com você de novo que nem sei por onde começar, Paul…

Paul — Say, say, say. So glad to see you here.

Bula — Que tal o show no Mané Garrincha? A galera ficou absolutamente extasiada com o que vocês proporcionaram aqui essa noite.

Paul — (risos) Maybe I’m amazed.

Bula — Até a Dilma veio. Você viu?

Paul — I saw her standing there.

Bula — O que você diria a ela se tivessem um encontro?

Paul — Hello, goodbye. Drive my car. (risos)

Bula — Com tantas vindas ao Brasil, pode-se dizer que você já é de casa. Portanto, certamente já está sabendo do mais recente escândalo de corrupção no país — talvez o maior da história brasileira de ladroagens — o chamado “Petrolão”. Que você pensa a respeito, man?

Paul — The end. However absurd.

Bula — Ao que parece, o dinheiro compra mesmo tudo, não?

Paul — Can’t buy me love. We can work it out. You never give me your money.

Bula — Aquela moçada do “Mensalão” já tá solta…

Paul — Band on the run… (gargalhadas) Everybody out there.

Bula — Grande parte dos economistas brasileiros prevê que 2015 será um ano muito difícil e que a crise econômica vai se agravar. Já tem neguinho latindo no quintal pra economizar cachorro. Qual o seu conselho, my friend?

Paul — I’ve got a feeling. We all stand together. Hope of deliverance.

Bula — Parece loucura, mas tem uma galera radical da extrema direita brasileira incitando a volta dos militares ao poder. É uma manifestação legítima?

Paul — For no one. Ain’t that a shame? In spite of all the danger. No more lonely nights.

Bula — Alguns críticos dizem que eu e você ficamos repetitivos, que eu deveria procurar outra coisa pra fazer na vida (carpintaria, por exemplo), e que você deveria abandonar as turnês internacionais, os grandes concertos. Como você responde a esse tipo de comentário?

Paul — Ob-la-di Ob-la-da. (risos, again) Let it be.

Bula — Esta noite você cantou por quase três horas seguidas, como se fosse um “Blackbird”. Foi encantador. Seu carisma e condicionamento físico no palco, aos 72 anos, comovem. É surpreendente. Além de não comer picanha (devo ressaltar que, nesse quesito, somos absolutamente discordantes), você malha todos os dias?

Paul — Eight days a week. Here, there and everywhere.

Bula — É verdade que você pedalou pelo Parque da Cidade em Brasília?

Paul — Yesterday.

Bula — Depois de uma longa e sinuosa jornada, qual você considera a melhor fase da sua vida?

Paul — Here today.

Bula — O que os seus fãs brasileiros podem esperar de Paul McCartney para 2015?

Paul – My love. Only love remains. Let me roll it to you.