Pode me cortar! Da vida ficam as melhores cenas

Pode me cortar! Da vida ficam as melhores cenas

Estou me sentindo tão só. Eu vi mais um vídeo na internet que mostra outro homem ajoelhado prestes a ser decapitado. Aquele deserto congelou meu coração. Como na notícia que li sobre as pessoas que choram ouvindo mulheres e crianças sendo enterradas vivas, chorei de angústia e incompreensão. Parece que a humanidade me abandonou.

Tentei pensar em outra coisa, mas esse gênero cinematográfico já tinha sido acionado dentro de mim, e, das prateleiras da minha memória, as histórias de terror começam vir à tona.

Eu queria poder rebobinar a fita das maldades que acontecem todos os dias. Da mulher que é flagrada pela câmera do elevador agredindo uma criança, descarregando toda a sua raiva nela. E os cuidadores que maltratam bebês e idosos acamados por pura crueldade descabida. Pior é tentar entender como um pai ou uma mãe planejam a morte do seu próprio filho.

Me dá um nó dentro do peito, uma vontade louca de desligar esse filme e ir embora para a lua. Ficar longe disso tudo, levar somente os meus livros preferidos, algumas telas em branco e meu material de pintura. Afinal, qual é o sentido disso tudo?

Quando a gente vê uma notícia de morte violenta por assalto ou sequestro fica chocado, mas no dia seguinte já esquece tudo, pois estamos tão acostumados.

Mas eu não quero simplesmente esquecer. E não quero mais ter medo de lembrar. Quero ter coragem de despir a minha alma e fazer amor com os meus sentidos, não posso deixar que a guerra lá de fora me force a desapegar de mim. Quero ter orgulho de ser gente, porque ultimamente tenho tido mais orgulho da minha cachorra.

Esse monte de pelos caramelo está me olhando e entendendo tudo. Ela se desenrola do seu canto confortável e vem repousar a cabeça no meu joelho. E ergue o seu olhar melancólico enquanto eu choro a minha dor. Então, minha querida Cocker fica à minha espera. Mas ela é impaciente e logo se deita de costas para o chão com as patas voltadas para o ar.

E, assim, eu compreendo. A humanidade também está carente pedindo afago na sua barriga. Nós, seres humanos, precisamos mais uns dos outros. Precisamos nos amar mais! Como a minha cachorrinha que precisa do meu amor, mesmo no momento em que dói tanto aqui por dentro, encontraremos uma saída se nos dermos as nossas mãos em todas as vezes que estivermos no escuro.

Troco a fita e sinto a humanidade me abraçar quando torno a ver a notícia da menininha pobre que arrecadou livros para distribuí-los às crianças carentes. E as pessoas se ajudando nos deslizamentos de encostas, o jornalista que chorou ao fazer uma dessas reportagens; a caridade que surge desde uma simples vontade de fazer o bem até quando a vida beira ao exaspero.

Encho de filmes de amor a bobina da minha esperança. Lembro-me dos bombeiros com quem me esbarrava quando trabalhava no Pronto Socorro — bombeiros são anjos da guarda disfarçados de homens — e do paciente humilde que me levou de presente uma caixa de ovos das galinhas do quintal dele. Penso no auxiliar de enfermagem que dava banho nos pacientes com demência avançada. São as tantas boas histórias que dão sentido à nossa vida.

Inicio uma luta de amor com a Luna. São lambidas contra abraços, latidos contra afagos. E nós duas ganhamos. Comemoramos aos uivos!

É, o amor deveria fazer parte dos enfrentamentos, das diferenças e de todas as guerras.