No fundo, nós estamos com medo Peeking

No fundo, nós estamos com medo

O policial acorda cedinho e beija seu filho como se fosse a última vez antes de ir pro trabalho. Hoje ele sabe, será mais um dia de enfrentamento da Tropa de Choque. E seus olhos se enchem de culpa quando o seu filhinho lhe faz prometer que sim, o papai irá voltar para casa.

A professora do Ensino Fundamental público respira fundo antes de entrar na sala do oitavo ano, e reza baixinho uma prece que sua mãe lhe ensinou para as causas perdidas. Ela coloca a mão sobre o rosto para lembrar-se do hematoma, que já nem existe mais, no seu olho esquerdo. É que a dor de levar um soco do aluno que não aceitou ser repreendido dói para sempre.

O comerciante coloca câmeras escondidas e outras à vista por toda sua loja, mas nada disso diminui o pavor dos assaltos à mão armada que vêm ocorrendo com frequência no seu bairro. Ele pensa no coitado do vizinho que reagiu ao bandido para salvar as sobras do caixa e deixou de salvar a própria vida.

O senhor diabético recebe um pedido de cateterismo cardíaco pelo Sistema Único de Saúde por causa da forte suspeita de obstrução das artérias do coração, mas é informado que não há previsão de vaga para o procedimento. Então, seu médico o medica e torce para que seu humilde paciente não seja mais um na triste estatística de mortes na fila de espera do SUS.

A empregada doméstica sai de casa todos os dias às 4h30  para enfrentar uma hora de trem, onde na maioria das vezes viaja em pé, e depois mais uma hora de metrô e meia hora de ônibus até chegar ao seu trabalho. Ela deixa seu filho de oito anos cuidando dos outros três pequenos, para então voltar para casa pelo mesmo trajeto e torcendo para não ser molestada por algum tarado.

O motorista de ônibus vive com medo de ser incendiado. Ele entra nas áreas de risco, pega os passageiros também assustados e todos seguem rezando para não encontrarem bandidos pelo caminho. Todos só desejam chegar às suas casas.

A enfermeira tenta acalmar a criança que chora na fila de espera do Pronto Socorro, cujo pai está nervoso por esperar três horas por atendimento. A enfermeira, cansada de ser o alvo de tantas agressões verbais, tudo aceita mesmo pensando que o Hospital necessitaria de mais médicos plantonistas e que os Convênios Médicos deveriam repensar a venda de seus planos a tantos conveniados se há poucos Hospitais para tanta demanda.

Nas redes sociais é espantosa a forma como as pessoas se tratam ao discutirem as eleições. Os comentários públicos, nas conversas entre pessoas que aparentemente não se conhecem, elas se agridem livremente, por prazer ou por desespero, e destilam ódio e xingamentos como se isso fosse convencer o outro que pensa diferente a pensar igual.

No fundo, nós estamos com medo. Mas o medo não pode justificar tanta discórdia e tanta agressividade. O medo do destino de nosso país deveria nos unir por uma democracia onde cada um respeitasse a opinião do outro. Ou se for tentar converter a opinião daquele que pensa diferente, que faça com educação e sabedoria, mas nunca com agressividade e mentiras.

Há de chegar o dia em que seremos mais unidos?

Espero por um Brasil em que deixaremos de ser divididos entre azul e vermelho ou outras cores para sermos um só imenso e belo verde e amarelo.