“O único meio de falar a verdade é falar sempre com amor”

“O único meio de falar a verdade é falar sempre com amor”

Desde que descobri o mundo da escrita, tenho pensado muito na minha avó materna Ida Catarina. Ela era uma mulher forte, vibrante e batalhadora e, por meio das cartas que escrevia, deixou para nossa família mensagens de amor e fé em forma de poesia. Minha avó não tinha o ensino primário completo e mesmo assim foi poeta. Algumas vezes, fica tão difícil encontrar as palavras trancadas aqui dentro que preciso pedir a sua ajuda. Então, eu mentalmente envio uma carta para ela.

Na sua luta por uma vida melhor, ao lado do meu avô José, minha avó calejou as suas mãos e as suas dores na roça e, mais tarde, amassou o trigo e os seus medos na padaria. Ela sovou a água, a farinha e o sentimento para transformá-los em sonhos polvilhados de açúcar que encheram a sua casa de alegria e esperança. Minha avó cozinhava o amor para depois bordá-lo em ponto cruz.

Minha mãe sempre me levava para passar as tardes com a vovó. Mesmo eu sendo tão pequena, ela me ensinava a recitar poemas. Eu achava bonito vê-la com seu bloco de papel e caneta, e ficava ali ao lado dela observando enquanto ela escrevia as suas cartas. O aroma do seu pão assando enfeitiçava as suas palavras que seriam enviadas aos seus parentes espalhados país afora. Era o seu jeito de manter por perto todos que estavam longe.

Eu não me lembro de quem foi que me ensinou a escrever cartas, mas, desde que me alfabetizei, comecei a me corresponder com minha avó, tias, primas e amigas e, quando vejo minhas caixas de sapatos cheias das correspondências que recebi no passado, fico me perguntando por que paramos de escrever cartas a mão.

O título deste texto está entre aspas porque é uma frase dela, que foi retirada de uma das cartas que ela escreveu para uma tia minha quando esta fazia faculdade em São Paulo. Há alguns anos, minha família reuniu em um livro — minha avó cozinhava muito bem — receitas e memórias dos meus avós, e lá estão várias das frases que a vó Ida escreveu em suas cartas.

“Eu era uma menina muito pobre, não tinha sapatos para por nos pés, deixei de estudar porque não podia. Assim mesmo tenho muita saudade de meu pai e de minha mãe, porque sabia o quanto eles me queriam bem e fazia falta para eles”, ela escreveu em 1980.

As cartas contam as histórias de nossas vidas, com nossas saudades e a espera do reencontro. Elas também mantêm vivos os sentimentos que nos une. Tenho a sensação de que continuo escrevendo para minha avó, porque eu ainda recebo as cartas dela nos meus sonhos, nos livros que leio e especialmente nas mensagens que encontro nos buracos das estradas por onde ando. De algum lugar, ela está me dizendo para seguir em frente.

“Filha querida, poderia desejar-te a vida de uma rosa, apesar de ser linda e curta. Poderia desejar-te a vida de uma estrela, mas esta é muito longa. Então desejo-te a vida de uma pessoa normal, com a beleza de uma rosa e o brilho de uma estrela!”, tenho vontade de voltar no tempo quando penso na vovó escrevendo as suas mensagens.

Hoje eu queria mesmo é receber uma carta dela. Abrir a caixa do correio e encontrar um envelope com meu nome em suas letras tortas e pequenas. Ela escrevia devagarinho porque cada palavra era sentida, derramava ternura em tudo que escrevia. Mas, a correspondência veio diferente. Fechei os olhos e li as palavras que esperava.

Agora eu sei. Caminhando aqui e ali, enviando recados e recebendo as respostas, a nós mesmos e ao mundo, nos apanharemos na beira do abismo de nossos campos internos. O amor está escondido nas palavras, esperando. Quando o coração estiver silencioso, é só enviar uma carta.

“Eu continuarei rezando, estarei sempre por perto te ajudando em pensamento. Você vai atravessar montanhas, mas vai vencer!” (Ida Catarina Magro Volpato)