Amor à pátria é o cacete. Eu gosto mesmo é de dinheiro

Amor à pátria é o cacete. Eu gosto mesmo é de dinheiro

É época de eleições no Brasil. Os ânimos e a intolerância estão exaltados, e o país parece muito claramente dividido em duas vertentes políticas que, ao menos nos discursos dos candidatos e nas bravatas das redes sociais, parecem antagônicas. Se bem que, depois que o Homem Sem Dedos e O Caçador de Marajás beijaram-se na boca, nada mais parece tão diferente e inovador como se supunha.

Ciganas honestas, marqueteiros velhacos, Adelaide — minha anã paraguaia — e os institutos de pesquisa e manipulação de massas garantem que, no momento, há um empate técnico entre os dois candidatos a Presidência. Portanto, “é preciso escolher com cuidado”, muitos alertam, como se fossem os detentores supremos da verdade, o suprassumo da honestidade e dos bons costumes. Esquerda versus direita? Avanço versus retrocesso? Corrupção versus moralidade?

Seja na urna ou num rendez-vous, a vida é cheia de escolhas, chavões, e lugares comuns, certo? Então, dileto leitor, peço que você me ajude a escrever mais uma história que, ao final — caso não deteriore pelo caminho — redundará em comédia ou drama. Depende de você. Como pedia a professorinha do grupo escolar, complete as lacunas abaixo com as palavras corretas, de acordo o sua ética, estado de espírito, grau de ociosidade ou teor alcoólico. Pra mim, tanto faz. Eu escolho apenas provocar. Sempre.

Quando eu nasci, um anjo torto, desses que vivem na sombra, disse: “Vai, _______________ (Carlos / fila-da-puta), ser __________________________ (gauche / uma puta) na vida!” Então, foi exatamente isso o que aconteceu. Entendam bem todo o contexto: eu nasci _______________________________ (em berço esplêndido / de uma gravidez indesejada), no seio de uma família _______________________________ (tradicional e rica de São Paulo / desamparada e miserável de São Paulo).
Durante a infância, quase morri de ______________ (rir / diarreia) de tanto ________________________________________ (assistir aos desenhos matutinos da TV / disputar comida com urubus no aterro sanitário). Dentro daquele peculiar cenário social, eu tinha tudo para ____________________ (acreditar / duvidar) que Deus existisse e fosse ___________________________ (benevolente comigo / negligente com a humanidade). Eu esperava a ____________ (sorte / morte) sorrir para mim a qualquer momento.
Impelido pelas circunstâncias, fui parar na escola ____________________________ (das Irmãs Franciscanas / do crime dos que sempre iam em cana). Meu pai era _________________________________ (um industrial bem sucedido / algum desconhecido metido na amnésia alcoólica da mamãe). Minha dileta genitora, uma pessoa ___________ (de fibra / da vida) que possuía _____________________ (uma loja de bolsas de grife no tradicional Bairro do Morumbi / cancro, hepatite C e um incrível talento para bater bolsas e carteiras na Rua 25 de março). Posso dizer então que, na medida do ________________ (possível / impossível), tive uma criação significativamente ____________________ (confortável / deplorável).
Mal adentrei a adolescência — eis aqui um episódio de que jamais consigo me esquecer — perdi a virgindade num ____________________ (puteiro de luxo / lote baldio), durante um ____________________ (bacanal homérico / estupro coletivo) organizado pelo meu ______ (pai / vizinho). Nunca me esquecerei do velho, dos seus ____________ (afagos / abusos), do seu sorriso __________ (simples / cínico), da sua _______________ (camaradagem / covardia) comigo. Que ________ (Deus / o capeta) dele se ocupe por toda a eternidade.
A primeira viagem inesquecível que fiz na vida foi ___________________ (a Disney / um cachimbo de pedra que me ofereceram na Cracolândia em troca de um boquete). Eu parecia flutuar. Nunca me senti tão feliz e especial na vida. Aos dezesseis anos, ___________________________ (engravidei uma garota cujo nome faço questão de esquecer / me engravidei de um sujeito cujo nome não me recordo). No que tange _____________ (ao amor / à dor), puxei muito ______________ (meu pai / minha mãe).
Então, a gravidez _________________ (foi interrompida / prosseguiu) e o bebê foi parar ___________________ (num ralo da clínica do Tio Venceslau / num abrigo público municipal). Não me sentia preparad__ (o / a) para ser ________ (pai /mãe). É claro que não vou ficar aqui me gabando pela situação, porém, não me arrependo nem um pouco em ter __________________ (pago por aquele aborto / nascido). São coisas que acontecem. Como dizia _______________ (papai / a assistente social do Conselho Tutelar), a vida é ___________ (dura / bela) pra quem _______________ (é mole / sabe vivê-la).
Por fim, eu __________________ (me casei / fui assassinada), tive três ___________________________ (filhos lindos e saudáveis / as fotos estampadas nos principais jornais da cidade) e me tornei __________________________________ (herdeiro dos negócios da família / mais um número estatístico nos indicadores sociais do Governo e da UNICEF). ____________ (Fim / Começo).