Quem manda nisso tudo aqui sou eu!

Quem manda nisso tudo aqui sou eu!

Você está caminhando na sua própria romaria. Um pé depois do outro. Tropeça. Cai. Levanta. De olho na estrada, nos carros, nas formas das nuvens. Dias de sol, por vezes nublado, e as fases da lua acompanhando os seus ciclos mais íntimos. Esse é o lado A da vida: o previsível, a rotina — segura, porém monótona. Os sapatos tão moldados aos pés já se acostumaram com a andança automática. É como um roteiro sem clímax.

Então, no ínterim da jornada, chega um beija-flor saracoteando as asas bem na sua frente, te agraciando com uma majestosa rodopiada. Se despede com a mesma molecagem da chegada. Coisa mais linda de se ver!

Alguns passos mais à frente desaba uma tremenda chuva, expurgando cada gota de cansaço, cada poro de desesperança. Chega para embeber o corpo mole e tirar da boca o sabor amargo da solidão. Estrondosa e revigorante, ela lava o rosto e a alma empoeirada, alivia aqueles pés cansados e te faz sorrir o sorriso do bálsamo. Senhores. Apresento-lhes o lado B. Que tira do prumo, e de tão adventício faz da história individual um roteiro, agora sim, de Woody Allen!

Surpresas na vida são como caixinhas de tesouro que encontramos no meio do percurso. São mimos que presenteiam o nosso interior, brindando o âmago com a mais pura alegria! E toda vez é a mesma coisa! Porque, como milagre, elas não ligam para avisar que vão chegar, nem batem na porta. Simplesmente chegam. Varrendo o pó, tirando o fôlego, enchendo o peito de novos ares. Esse é o grande barato!

Mas não se engane, porque nem todo mundo se deixa seduzir pelo inesperado. Há quem prefira viver sem sobressaltos e ao mais homogêneo sinal de euforia se encerra em suas mazelas emocionais feito casulo. Pessoas assim não são capazes de sentir o arrepio, a palpitação, o orvalho nos olhos. Falta sensibilidade — talvez seja um bloqueio — de permitir surpreender-se por deliciosas carícias na alma.

Ganhar flores num domingo pela manhã, escutar no rádio aquela música que embalou o primeiro namoro, receber o telefonema inesperado de um amigo que está do outro lado do mundo! Um perdão que já estava perdido, um amor novo com ar de antigo. A flor que brota de um dia para o outro, o livro que chegou pelo correio antes do prazo. São essas grandiosas e singelas surpresas que nos tiram da peregrinação e dão um novo significado à vida.

É como estar deitado numa rede, em estado de letargia, e uma criança pulasse no colo com suas pequeninas mãos meladas e seus beijos babados de caramelo! Quando isso acontecer, ao invés de cerrar os olhos e fingir de morto, por que não iniciar uma batalha de cócegas e gargalhadas? Afinal, quem manda nisso tudo aqui sou eu! A vida é minha, é sua, é dele, e por que não decidir por ser feliz, assim, de supetão?

Felicidade está mesmo na simplicidade da vida, em deixar a corda meio frouxa de propósito para que barco chacoalhe e mude a direção de acordo com o vento. Quando isso acontece, começam a voar as tais borboletas na barriga, o coração bate tão forte que parece sambar aqui dentro, as mãos suam e o sorriso se alarga.

Que graça teria o nosso filme se não fosse a troca de figurino, o arrumar e desarrumar o cenário, mudar os planos e as tomadas? Editar as cenas, as passagens? Brincar com efeitos especiais! Ah, e a trilha sonora? A minha seria de Chopin a Marvin Gaye!

Às vezes esperamos tanto da vida, escrevemos e apagamos vários scripts. Uma sinopse depois da outra. Planejamos e projetamos abrir inúmeras portas. E nesse jogo você anda uma casa, volta duas, avança três. De tão obcecado pela saída, não percebe quando uma janela se abre.

O inesperado tem o poder de transformar a noite em dia, uma segunda-feira em sábado! Basta abrir os canais dos sentidos. Sentir a brisa que sopra um perfume novo. Se entregar à emoção do inédito.

Porque não há tempo que volte, amor. Vamos viver tudo que há pra viver. Vamos nos permitir!