Quando a vida marca gol contra o que você faz?

Quando a vida marca gol contra o que você faz?

Difícil responder de imediato. Sobretudo quando os imprevistos puxam o tapete da gente. As pegadinhas do acaso nos deixam de mãos nuas. Nossas pretensas certezas vão de repente para o ralo.

Tudo pode acontecer a qualquer hora. Mas a gente nunca acha que o destino, ou o que seja, armará feio para o nosso lado. É o outro quem se arrebenta, machuca, quebra a cara, a coluna, fica em coma, adoece inexplicavelmente. É o outro quem morre.

Ficamos de “olheiros” perscrutadores dos fatos, examinando o que se passa fora de nós. Dentro, não. A parada aí é outra, fica mais difícil. É comum a gente se agarrar a um santo, um time, escola de samba favorita e sair por aí alardeando as vantagens da sua escolha. Seu filho é flamengo desde criancinha e ai dele se não for. A menina de 5 aninhos foi lá com você, ao estádio do Mineirão, toda vestida de Brasil, para assistir ao show nas quartas de final, num jogo demolidor contra a Alemanha. Uma tsunami de goleada implacável. Sequencial, matadora.

A menina chora muito, se sente com as mãozinhas arrancadas pela tragédia do funesto resultado. Seus gestos macios, agitando-se na arquibancada, a garotinha estava pronta para bater muitas palmas dirigidas ao inquestionável sucesso desta nação escandalosamente verde-e-amarela.

E agora, José, perguntaria nosso Drummond, que a festa acabou? Aonde você enfia seus amores, suas crenças, as paixões e a sua autoestima? Sobre quais assuntos você falará depois do trabalho, tomando uma cerva estupidamente gelada com os amigos. A gente estava com a bola toda e ela explodiu.

Como se lida com o engodo tão frequente no cotidiano? A vergonha, a traição da decepção inimaginável. A miragem da pseudocompetência estampada na cara e na equipe dos nossos jogadores atordoados. Alguém retrucará que o caminho das facilidades é sempre mais convidativo. Não fazer esforço algum e ter tudo na boca, assim, num estalar de dedos.

Posar para revistas femininas ou masculinas de nudez antropofágica, se candidatar aos BBBs da vida, virar acompanhante de eventos, etc., etc., etc. Ralar, se organizar, suar a camisa em todos os sentidos. Integrar ao espírito a percepção coletiva dos conceitos básicos de time, de solidariedade, isso dá trabalho.

Vimos a Alemanha, sem alarde, agir em conjunto nos gramados brasileiros da Copa de 2014. Reparamos que ser feliz custa, ganhar o respeito alheio, idem.

A vontade é jogar tudo pra escanteio, driblar as verdades que nos coçam a orelha, marcar falta grave na realidade suja que se esfrega em nosso nariz. E dar cartão amarelo para qualquer um que se meta a besta, com conselhos de bom comportamento, sem ser convidado a opinar.

Viver de descartes é o que fazemos. Pessoas, objetos, tecnologia, relações em geral ficam obsoletas num instante. Deixadas na rua dos secos, molhados e abandonados.

A sede é pelo novo, sempre. Não pela renovação de valores, bem entendido, mas pela troca, leviana e alienada, de seis por meia dúzia, ou o que seja.

Seremos clínicas de aborto ambulantes, hoje? Cuspindo no lixo sem refletir o que nos complica, exige nossa atenção e dedicação, em prol das tentações do que é fugaz, passageiro, volátil e, de imediato, extremamente prazeroso. Fica a indagação.

Novamente Drummond, sempre visionário, nós alertava, há décadas, com o poema a seguir — que tão bem se encaixa nos tempos atuais de louvor, fúria e desencanto.

“Foi-se a Copa? Não faz mal. Adeus chutes e sistemas. A gente pode, afinal, cuidar de nossos problemas.” E mais adiante, outros versos demandam: “Deixaremos de ser tontos. Se chutarmos no alvo exato. O povo, noutro torneio. Havendo tenacidade. Ganhará, rijo, e de cheio. A Copa da Liberdade”.

Então, quando a vida marca um gol contra, o que você faz? Eu procuro abrir as gaiolas que me prendem a mitos, ídolos de barro e ilusões em série. Nem sempre consigo, lógico. Mas persistir é um verbo que se mantém gravado no meu dicionário de existir.