Contradições acima de qualquer suspeita

Contradições acima de qualquer suspeita

Quem nunca afirmou detestar mulheres louras e, de repente, começa a desfilar com uma pantera platine blonde- tintura irretocável, nos volumosos cabelos?

Te amo, te odeio. Não suporto peixes, adoro linguado assado. Não tolero homens falantes. Ah, me apaixonei por um deputado honestíssimo. Precisa ver como ele discursa. Pintar a boca de vermelho, jamais! Quero esse batom molhado cor de sangue, máxima duração. Lindo. Não imagino ter filhos e nem terei.

Alguns anos após, lá estava ela coberta de quatro capetinhas.

Gente é isso. Não há nada de errado em ser mutante que nem camaleão. Gente é isso. Se intromete em todas as cores. Roxo, amarelo, fúcsia, verde-cheguei. Depois, logo esquece de qual cor gosta. Muda de sexo, de repente. Ou decide pela polissexualidade. Engorda e emagrece. Invade restaurantes e aí se ajoelha pro maitre, com ar de Maria-arrependida.

Gente é isso. E não há nada de errado em ser ou não ser assim ou assado. Despreza o mendigo da esquina, mas anda de terno importado com meia furada dentro do sapato eu-juro-que-é couro italiano. Imitação barata-e-nem-se-discute. Aliás, um pisante de categoria. Fabricado com o couro de um enorme lagarto do cerrado.

Religião, cruzes. Sou apegada apenas a Santo Antônio. Dançar forró? Você tá pensando o quê?! Forró é tudo. Ginga pura. Não vivo sem caipirinha. Não consigo sequer sentir o cheiro do limão, argh. Roupa marrom é o ó. Ai Joana, você precisa ver a calça alinhadérrima cor de chocolate, que ganhei do Artur. Puro charme.

Lindo, horroroso. Gata, bruxa. Gostosa, baleia. Encantador. Papo chatíssimo o dele. Não xingo ninguém. Sua vadia caolha. Anta torta. Vaca sem leite. Filha de uma puta fedorenta. Machismo. Cuméquié? Tá ultrapassado cara. Mulher minha nasceu pro fogão. Mato passarinho de chumbinho e transformo couro de gato em tamborim. Ah, minha casa é um maravilhoso jardim zoológico. Venha me visitar.

Me chamo Pedro. Quer dizer João Pedro. Se preferir, João. Ou Jô, é mais íntimo. Entrar pra academia pra quê? Coisa de gente feia e besta. Mestrado, doutorado e que tais. Depois, pode conferir, só vai trepar com livros. Cada um mais grosso que o outro. Sem trocadilhos. Puxa, estou apaixonada pelos conceitos de velocidade de Virilio. A polêmica de Baudrillard me fascina. Que saco ouvir Jazz, não entendo xongas. Miles Davis, adoro.

Gente é isso. Encolhe-estica-mastiga–faz-bola-depois-cospe. Tipo chiclete. Hoje tá doido por você. Às quatro da tarde te estala um bofete na rua bem no meio da tua fuça. Ontem detestava coco. Hoje tá tomando sorvete com duas bolas do mesmo. Rouba grana da mãe, do filho e do colega do trabalho. Logo depois, com um sorriso no rosto, convida todos para um almoço. Planta bananeira, nada borboleta, joga futebol. A cara é a mesma. Lógico. Essas contradições são acima de qualquer suspeita.

De noite é #poliça — um asno de brutamontes. Matou três com um único tiro de pistola 45. Já de manhã bem cedo, tá esperando a mãe sair da missa pra almoçar com essa santa criatura que, com muito orgulho, botou ele no mundo.

Às terças e quintas faz ioga. Às segundas e quartas humilha os funcionários. De segunda a sexta, não dá bom dia pro porteiro. Gente é isso. Nem se espante.

Você mente. Te peguei, Quem, eu? Tira meleca em reunião de condomínio. Rouba bala de criancinha em sinal de trânsito. Vai batizar a filha do chefe, com aquele sorrisão de puxa-saco de carteirinha.

Nem passo perto de churrascaria, te esconjuro! Sou lacto-ovo-vegetariano. Repolho grelhado é tudo! Porra, não me esqueço daquela fraldinha, bem sangrenta, lá do Boi Maneiro que fica no teu bairro. Fui na semana passada, E a picanha, Antônio, é coisa de doido!

Não posso nem encostar em homem peludo. Macaco é pra ficar no circo, meu. Qual é…. vai dizer que um matinho nas costas do teu homem não te dá o maior tesão… Nega, se tiver coragem. Nego não.

Gente é isso, já esqueceu. Bicho ruim de danar. Ou doido de internar. Mais escorregadio que enguia. Confiável que nem um cachorro beagle. Mata criancinha por hobbie. Se confessa por vergonha alheia. Vira pediatra e se diploma em pedófilo. É anjo e diabo na terra do sol. Gente é isso. Você, eu, o louro que vive pescando salmão na Noruega. A tailandesa, dançarina em casa noturna. O professor humilhado pelo salário, mas dignificado pela profissão.

Confesso: estou com a carteira repleta de contradições verdinhas. Vou até investir num fundo de ações no Banco dos Incoerentes. Tenho muitos planos. Daqui a um mês vou virar serpente. Já encontrei até um elixir. No mês seguinte, pode crer, vou ganhar uns tostões como faquir na Índia. Só falta mesmo comprar a passagem. Coisa pouca.

Ah, vai me dizer agora que isso tudo é absurdo. Não é não, meu camarada. Tá escrito nas estrelas. Se toca. São apenas contradições acima de qualquer suspeita.