Vai um sexo aí?

Vai um sexo aí?

Nossa. Que jeito à queima roupa de começar esta conversa. Mas não tem outro. Os tempos hoje são tuiterísticos, acelerados e diretos, como registra, aliás, a famosa piada do coelhinho, em pleno desfrute de seu harém “tá bom, não foi?” (note-se: essa frenética interpelação às orelhudas e macias parceirinhas, sempre ecoa quase uma centena de vezes, antes de a piada acabar de ser contada.)

Ou aquele chiste, no qual uma impaciente namorada termina por DM (direct message, no twitter) seu último e deletável relacionamento. “Ai, gato, foi legal enquanto durou. #partiumudanças.”

Assim, a seco. Como rapadura sem caldo de cana, telegrama sem abraço ou pão dormido sem manteiga. Vai um sexo aí, rima com anúncio de sandubas naturebas, vendidos por ambulantes roucos e sudorentos, nas sempre lotadas praias cariocas.

Sem contar que “pegar” hoje é um verbo que não tem nada a ver com pegar o ônibus, o filho na escola, uma carona com o colega de trabalho. O papo é mais ou menos esse, entre a galera acesíssima da geração y, depois de — não se sabe quantos — energéticos misturados a bebidas destiladas, nas baladas: “E aí, brô, pegou muitas?” E o outro: “Ih, mano, contei 11, acho.” “Pô, eu te passei véio, 15 minas tá bom pra você?”

Questões semelhantes comicham entre meus afoitos neurônios. Será que houve mesmo uma dissociação e esquartejamento ontológico-afetivo entre sexo e amor. Algo do tipo: “É pra agora ou pra viagem” nos fast-junk-foda-se dos McComes da madrugada.

A razão de tamanha reflexão e curiosidade adveio de fato viralizado em todas as mídias, sobretudo nas redes sociais. O leilão de uma exemplar boneca inflável, a Valentina (metafórico nome de protagonista de ficção científica, em versão ocidental tridimensional do gênero shoujo mangás (do japonês 少女, menina) presente nos excitantes quadrinhos japoneses.

Lances para o acesso à sua exótica virgindade, seu almejado hímen de cyberskin, — pele artificial desenvolvida pela NASA, quase idêntica à humana — a certa altura ultrapassaram, a cifra de R$ 100 mil — conforme notícias nos jornais.

Olhos verdes, cabelos castanhos, boca carnuda, seios grandes e pele sedosa. Esta é Valentina. Irretocável, sublinhariam alguns. Não. Sugere prosaicos encaixes de articulações, frisariam outros.
“No site de compra, você pode escolher cor de cabelo, de olhos, bunda, estatura, forma física. Você monta como quiser”, revela Rodolfo Elsas, sócio do buscador on-line Sexônico e organizador da Mostra Internacional de Bonecas Infláveis, em SP.

Para você e suas ilações tremularem nas bases sinápticas de sua atônita massa encefálica, saiba que a feira de bonecas infláveis também costuma oferecer modelos masculinos acenando enleios com Barack Obama e Justin Bieber.

Decididos a realizar este cobiçadíssimo fetiche, os interessados precisaram se cadastrar no site e dar um lance pela virgindade da boneca.

O feliz ganhador da noite inesquecível, porém, depois de consumada a conjunção carnal-emborrachada, tem que devolver, aos prantos, que seja, a heroica Valentina ao proprietário de origem, compromisso assegurado em contrato previamente firmado junto ao seu dono (travestido, neste particular, de gigolô pós-moderno). Infelizmente a partir de então, o futuro de Valentina — e o de outras bonecas disponíveis no site — como garota de programa já está selado.

Acompanhamos também a disputa internacional pela jovem catarinense Catarina Migliorini, de 20 aninhos, cujo anódino hímen foi arrematado por um empresário oriental. O leilão foi finalizado em R$ 1,5 milhão.

Está bom para você? Vai um sexo aí?

Praticidade, fundos de investimento concupiscentes, loterias federais genitais, grande prêmio nacional intravaginal, ou maxi herança erótica-programada.

É desse modo que os enlaces e acordos acontecem. Sem mais delongas. Na verdade, quando se começa a tricotar assuntos correlatos, unem-se pontos inusitados e fluxos associativos que entretecem situações afinadas.

Paralelamente ao desfile de bonecas infláveis, nos extasiamos com projeções holográficas mirabolantes, como as exibidas nos shows da cantora virtual Hatsune Miku, que conduzem ao delírio milhares de obcecados fãs. O projeto concebido pela Crypton Future Media, no Japão, estrutura-se, por equivalência, a um mega-anime pluridimensionado.

Especulemos em uníssono: e se dispuséssemos neste instante de um espelho refletindo a exótica situação, como numa variante tautológica do tema. Mocinhas de carne e osso fazendo o possível e o impossível para se transformar em bonecas na vida real. Como a já mundialmente conhecida adolescente ucraniana, Valeria Lukyanova, aspirante definitiva, depois de submeter-se a várias cirurgias plásticas, ao status de Barbie Humana.

Esta narrativa, embora atice zonas do nosso longínquo imaginário, não possui, entretanto nada de irreal, pois catalisa enredos transmidiáticos de storytellers contemporâneos. Parodiando a ficção, a Barbie também encontrou o seu Ken (boneco-gente ou rapaz embonecado ) no cotidiano. Se o casal será feliz para sempre é outra história, embutida em um destino indecifrável.

Vimos, portanto, que os trailers acima exibidos, de caráter sensório-experiencial, se constituem de elásticas e aparentemente infindáveis vertentes.

Novos ou velhos fatos, alguns deprimentes, bizarros, retorcidos, entranhados sem dúvida em carências psicossexuais de toda ordem, solidão e medos relacionais extremados.

Fato é que, como nos antigos álbuns de cartolina de figurinhas de recortar e montar, ou o desafiador encaixe de peças plásticas — vide as junções de partes de um cubo mágico — ou ainda a acoplagem de um minucioso quebra-cabeças, apresenta-se uma irrevogável e urgente questão. A cabeça, o tronco e os membros dos seres ditos humanos (aos quais por enquanto pertenço) precisam se casar de novo.

Como o café se cumplicia ao leite. O arroz com o feijão. A pipoca com o cinema. A fome com a vontade de comer. E o desejo — ah, o desejo… — com o tesão ( mas, por favor, que seja tesão de carne e osso, bem entendido).