Eu vou criar polêmicas porque hoje é sábado

Eu vou criar polêmicas porque hoje é sábado

Se chover, eu vou tomar um banho, porque hoje é sábado. Todos os dias, antes de sair e surtar, eu leio um poema do Vinícius. Poeta, meu poeta camarada, por que o ontem, o hoje e o amanhã não podem ser vividos como se sábado fossem?

É apenas segunda-feira, e o mau humor é sorvido com torradas no desjejum silente, mesmo assim, eu já vejo nuvens em forma de bundas. Por que será que hoje tá com cara de sábado, querida?

A despeito das polêmicas genuínas no que tange à invalidez ou não de um condenado do “mensalão”, um adolescente surfa de domingo a domingo porque, ao contrário do que se diz dos surfistas, ele é sabido: “Aqui na praia, todo dia é sábado, meu brother”. As prisões domiciliares incluem também os finais de semana, senhores juízes? Sábado, não. Sábado é phoda, Excelência.

Mais sábio que um Ministro do Supremo escolhido a dedo numa lista tríplice, eu perco a supremacia sobre os meus sentimentos dúbios e me comovo com uma fila de crianças uniformizadas entrando numa escola. Lembro-me que na meninice cantávamos perfilados o Hino Nacional e que eu levava suco de laranja mais pão com mortadela dentro da lancheira. Bons lanches aqueles. Por que será que hoje em dia não se matam mais aulas como se fosse sábado? Por que — como escreveu Carlos Drummond — Deus permite que as mães vão-se embora? Quando crescermos, quem vai abastecer as nossas lancheiras, Senhor?!

O lema da trincheira urbana é “matar ou morrer”. Então, um policial veste uma farda como vestiria um abadá. Ele segue cantarolando para o trabalho, e tromba com a multidão aflita das calçadas que não o compreende, muito menos, o aceita. Afinal, é alegria demais estampada do rosto de alguém que enfrenta bandidos. Ninguém merece. Por que os tolos se encontram e as balas se perdem quase sempre aos sábados?

O gerente austero entrega-me uma pasta com as suas ousadas metas de vendas para a semana. Putz! Vai ter outro emi-bi-ei, dinâmicas em grupo com pessoas que não toleramos e mais horas-extras desperdiçadas no próximo final de semana. Urge enviar relatórios com gráficos alvissareiros para a matriz em Hong Kong. Por que os homens sisudos não ousam relaxar nem mesmo aos sábados? Por que há tantas casas de massagem na China? No sábado, então, nem te conto.

Quem há pouco comeu do corpo de Cristo agora se delicia com o suculento saco de pipocas à porta de uma igreja. Por que as missas dominicais são mais charmosas que as missas sabatinas? Por que as hóstias consagradas não contêm corante sabor morango que nem as consagradas pipocas-doces? Por que você diz que, desde sábado, eu estou com a macaca?

Do Vaticano, um carismático padre argentino parece falar a mesma língua dos homens. O seu discurso até que agrada. No ritmo em que as entrevistas exclusivas do pontífice caminham, será que algum dia os padres serão alforriados para se enamorarem e comerem algodão doce com as suas amadas, ao menos nas tardes de sábado?

Li numa revista superinteressante que os homens que têm fé vivem mais tempo, são mais felizes e, ainda por cima, ganham mais dinheiro. Portanto, fica claro por que motivo o câncer, o azar, o divórcio, o gol contra e as micoses perseguem os ateus. Baseado nessa estatística — e porque era sábado —, pus a maior fé e fui ao Country Club. Era um dia lindo, ensolarado. Apostei quinhentos paus em Quick Horse e perdi tudo, rapidinho. Eu sei que eu fui um tremendo cavalo, mas, mais do que acreditar, eu poderia jurar que aquele garanhão venceria a prova. Eu punha a maior fé. Mesmo sendo sábado, o pangaré agourento comeu poeira.

Se sarcasmo matasse, as minhas crônicas já estariam no céu da boca das pessoas. Com um pouquinho de técnica e esperteza (favor, não confundir com má fé, porque daí já seria política), é possível a um escritor dizer um pouquinho de quase tudo e, mesmo assim, dizer quase nada que se aproveite, sabem? Por que ninguém, além de mamãe, lê os meus textos aos sábados? Porque eu não sou o Vinícius?