Não há mais vagas no céu para crianças que viram estrelinhas

Não há mais vagas no céu para crianças que viram estrelinhas

Nada é real. A despeito dos fatos, das fotos, dos seus fátuos olhinhos inquisidores que a terra haverá de comer, nada é real. Sinto um apetite voraz pela verdade dos fetos que eu nem lhe conto. Um canto, 10 contos, mandar alguém pros quintos dos infernos, nascer, nada disso é real. Uma bala perdida. Encontrar uma nota de 100. Um peido. Um pedido de casamento. Núpcias na casa-do-caralho. Tanques de guerra desfilando na orla de Copacabana. Um indigente que mora nas ruas. Um padre efeminado que namora. Um adolescente morto sobre o passeio público (dizem que ele saltou do oitavo andar). Pelo andar da carruagem, sinto que a poesia ainda vai me atropelar, antes que eu termine este texto. Por que crianças se matam, alguém, por caridade, me responda?

Caminhamos, sob anseios seculares, singulares, sem saber aonde é que isso tudo vai dar, se no oco vazio do peito ou na dança frenética das jugulares. Que os bons ares me traguem. Preciso, urgentemente, ser fumado. Dúvidas… Que me valham as dúvidas. Por elas, tragado até a guimba, eu sobrevivo, mais aceso do que nunca. Eu digo e repito: Nada disso é real. Nem mesmo o matuto que matuta acocorado, a respeito de temas menos extraordinários: Será que vai fazer chover? Será que vai fazer sol? Será bonita a cara de Deus quando nos encontrarmos lá no céu? Estamos todos no sal, quarando os olhos num varal imaginário para ver se as ideias clareiam, mas, o homem simples que mora na roça leva vantagem ao não sofrer das frescuras existenciais dos seus pares citadinos. Um dia de cada vez, na paz, sem grandes tribulações. Apesar disso, a vida é ímpar, é uma só, e esse sujeito, um poço de humildade onde não se pescam traíras, sequer é real.

Nem a Bíblia. Nem o alcorão. Nem a beliscada no anzol. Faço uma suposição inédita e, quiçá, profana: Vivemos inseridos, entre risos e choros, num enredo onírico jamais suspeitado pela humanidade; umas vezes, chamamos isso de Sonho; outras vezes, Pesadelo. “Vida real”, sim, vá lá, eu até concordo, é fato que muitos o digam assim, porém, contudo, todavia, isso é mais um entre tantos equívocos. Conforme eu disse antes, por mais que o meu discurso pareça messiânico, patético e prolixo, nada é real. Nem eu. Nem você. Nem o caminhão de lixo que despeja chorume de rancor por onde quer que um homem passe. Não passamos de uma soneca do universo. Nada é real. Nem o ghost-writer. Nem o fantasma da derrota para o escrete uruguaio em 1950 no Maracanã. Nem as meninas nigerianas raptadas, transformadas em escravas sexuais pelos fanáticos do Boko Haram. Nem a famigerada Síndrome de Estocolmo que me faz sentir uma certa afeição pelos seres humanos, meus irmãos, por suposto. Nem o passado berrando aos quatro cantos, pelejando, insistindo em virar presente.

Nada disso é real. Nem o meu fascínio pelos Beatles. Nem o facínora que canta no chuveiro. Nem a providência divina. Nem a previdência social. Nem o inferno de uma câmara de deputados. Nem a morte do Elvis. Nem a vida em Marte. Nem a ressurreição de Cristo. Nem as formigas no bolo. Nem os bombardeios sírios sobre o jardim da infância. Nem os Campos de Morango. Nem os Campos de Centeio. Pelo que assoprou o vento norte nos meus ouvidos, receio que a vida comece depois da morte, como um reles acordar. Antes disso, tudo terá sido, tão somente, a longa odisseia de um sono estendido.