A morte é a única certeza que temos na vida. O resto será sempre saudade

A morte é a única certeza que temos na vida. O resto será sempre saudade

Eu era bem pequena quando ouvi os adultos dizerem que alguém havia morrido. Não tenho certeza sobre quem fora o falecido, mas lembro da minha mãe chorando. Na minha adolescência, fui ao primeiro velório da minha vida. Mesmo com conselhos para não ir, porque ficaria impressionada, nada me fez mudar de ideia. Com medo e uma saudade que começava a doer, adentrei a capela onde a vovó estava.

A primeira vez que presenciei o aviso de falecimento do paciente aos seus familiares foi no início da minha residência médica. O menino havia sido eletrocutado enquanto tentava pegar a pipa que se enroscara num poste de alta tensão e chegara já sem vida ao hospital. Quando saímos da sala de emergência, caminhamos até a recepção onde se encontrava a família do garoto. Depois de tantos anos, nunca me esqueci do som daquela dor — o grito da perda e da desolação.

Recentemente, fui a dois velórios. Lembrei-me dos velórios dos meus quatro avós. Pensei nas outras pessoas que já se foram. Curiosamente, pensei naqueles que estão vivos e com quem não me encontro mais. E se ficar tarde demais para dizer o que não foi dito? Ou para desdizer o que não deveria ter sido falado? Senti a vida escorrer pelas mãos do tempo.

Velórios são a casa da morte: o encontro de pessoas e saudades; de velas e silêncios; de flores e perdão. A mãe, o filho, o amigo, o velho, a criança, o doente, o culpado: ninguém é poupado. A morte não tem classe social, nem cor e nem raça.

A morte é a única certeza que temos na vida. A morte traz medo; dá um beijo frio; revela segredos. A morte é o final; o reencontro; a chegada. Com a morte, aprendemos mais do que quando havia vida somente. Na morte, encontra-se o amor que havia sumido.

O lirismo dos poetas enfeita a morte, ela está na cor da aurora de Drummond, o leite e o sangue que se encontram em madrugadas furtivas. A morte é a brevidade da vida com todos os seus porquês, como a impermanência da luz do final de tarde.

Um menino de 6 anos me perguntou se ele vai morrer. Um senhor de 80 me falou que quer morrer para aliviar a dor. Eu já quis morrer. Todo mundo já pensou um dia sobre a própria morte.

Enquanto eu passava meus dedos sobre as mãos entrelaçadas da vovó, repousadas sobre o seu peito, senti sua palidez fria; mesmo assim, ela estava linda. Parecia que iria acordar a qualquer momento e dizer suas palavras de carinho. Como eu queria ouvir sua gargalhada outra vez! Os crisântemos que enfeitavam o caixão sorriram para mim, como se dissessem “não chore, menina”. Mas eu chorei. Chorei e, depois, sorri. Obrigada, por tudo, vovó. Para sempre te amarei.

Estremeço com esta lágrima que me escorre agora pela face; é a gota de orvalho que o viver traz para a minha pele gelada — enquanto houver vida e quisermos vivê-la, não precisamos temer a morte. O resto será sempre saudade.