Viver é tentar ser feliz

Viver é tentar ser feliz

Minha mãe conta que, quando nasci, o parto se adiantou em quase três semanas. Ela não sabe, mas eu não aguentava mais esperar: precisava enxergar com meus próprios olhos e sentir com meu próprio ser. É que a inquietude me acompanhou desde a minha chegada a esse mundo lindo e incompreensível: durante a vida toda fui sensível demais (o que é uma dádiva e uma desgraça). Sou dessas pessoas que choram em comerciais de televisão, que se angustiam ao ver o andarilho implorando por esmola e que se indagam constantemente sobre o famoso porquê: por que estou (estamos) aqui?

Na comemoração dos meus 10 anos, estava animada e triste: meus pais prepararam uma festa com a decoração que pedi, mas meu irmão foi hospitalizado para realizar uma delicada cirurgia de urgência; quando completei 20 anos, estava realizada e confusa: cursava a faculdade que escolhi, mas parecia difícil tornar-me adulta; depois dos 30, sentia-me orgulhosa e solitária: trabalhava cerca de 50 horas por semana e não tinha tempo para me divertir e gastar o dinheiro que ganhava. Aos 40, já vivi o amor e a dor inúmeras vezes — e de diversos tamanhos e maneiras.

Eu procuro, procuro e procuro e ainda não achei todos os porquês, mas alguns deles já consegui desvendar. Paulo Mendes Campos descreveu a inquietação da alma quando questionamos quem somos no mundo: “Essa indagação perplexa é o lugar-comum de cada história de gente. Quantas vezes mais decifrares essa charada, tão entranhada em ti mesma como os teus ossos, mais forte ficarás. Não importa qual seja a resposta; o importante é dar ou inventar uma resposta. Ainda que seja mentira”.

Às vezes, mentimos para nós mesmos para sobreviver: dizemos que amamos sem saber o que realmente estamos sentindo (nos acomodamos? Somos covardes? O que é o amor?); escondemos a angústia em açúcar, álcool ou qualquer outra desculpa — só para não encarar a verdade — e destruímos novos sonhos porque não conseguimos lidar com a poeira dos dias anteriores.

Tem dias em que a vida é invadida por um furacão de amargura: como gritam aqueles ao perderem alguém. Tem noites em que temos o sonho roubado: da ponte da alma, nos atiramos em lágrimas de desalento. Nessas madrugadas, sob nuvens que escondem a Lua e as estrelas, resta-nos o nada do céu: o cinza das horas e o escuro da solidão.

Porém, a despeito dos piores pesadelos, a gente sobrevive. Eis o mistério da vida: viver é tentar ser feliz. Nessa persistente tentativa (a constante travessia de nós mesmos, como nos contou Sidarta, de Hermann Hesse) aprendemos a aceitar o que não podemos mudar; mas, também, entendemos que, apesar das intempéries da existência, é possível fazer mais e melhor — mesmo quando tudo parecer perdido e sem esperança: “os milagres sempre acontecem na vida de cada um e na vida de todos. Mas, ao contrário do que se pensa, os melhores e mais fundos milagres não acontecem de repente, mas devagar, muito devagar” (Paulo Mendes Campos).

Com o passar do tempo, alguns porquês (mesmo que sem entendimento) são encontrados no sofrimento alheio (eles dão algum sentido às nossas próprias aflições): cada um e todos nós suportamos do jeito que dá. Em “A Hora da Estrela”, de Clarice Lispector, esta inquietude se transfigura em epifania, como um estrondo de luz iluminando as dúvidas que se abrigam em nossas mortes diárias: Rodrigo, personagem do livro, diz: “Felicidade? Nunca vi palavra mais doida, inventada pelas nordestinas que andam por aí aos montes”. É que Macabéa, apesar de suas dores, ignorâncias e misérias, ainda que ingenuamente (e, por isso, nunca tendo imaginado um desfecho trágico para seu destino), encontrou a “alegria de viver”.

Acredito que uma das maiores questões sobre a existência do ser humano seja a definição do estado de contentamento pleno (somos realmente felizes?). Me arrisco a afirmar que a felicidade é o verdadeiro milagre: como naquele dia em que meu irmão se recuperou da cirurgia e eu pude levar para ele, no hospital, um pedaço do bolo da festinha do meu décimo aniversário.