Coisas incríveis que dá pra fazer se você tiver uma arma de fogo

Coisas incríveis que dá pra fazer se você tiver uma arma de fogo

Uma arma para cada cidadão de bem. Nada mal. A morte é laica. É justo que as pessoas se municiem para a legítima defesa da honra, da família e dos patrimônios materiais. Meter bala em qualquer coisa que respire, pese mais de 15 quilos e salte o muro de casa. Ensinar as crianças a odiarem um ser humano em dez lições. Armar confusão com o vizinho. Fazer uma guerra. Defender o território. Caprichar no recrutamento das estátuas-de-barro e dos estandartes-de-pano em busca de adjutório espiritual. Lavar a alma. Lavar a égua. Cavalgar na garupa de um Putin seminu. Abater o famoso tigre siberiano. Amar-se até os dentes pode parecer egoísmo, mas, é preciso. Imprecisos mesmo são os tiros que se perdem na carne dos inocentes. Bulas perdidas. A sociedade está doente.

Matar o tempo a matar passarinho. Suportar o tranco. Surtar no trânsito, dentro de um carro blindado, sob temperaturas crescentes do fenômeno El Niño. Estraçalhar massa cinzenta no para-brisa ou no escaninho, sob um céu de azul anil. Fuzilar com disparos de festim todo e qualquer escritor que se valha da ironia e do sarcasmo como ingredientes a mais para fazer humor negro. Isso aqui não tem a menor graça, eu sei. Não me atire ainda. Sou um pacifista, um homem que tem repulsa às armas. Nada é o que parece ser. Leia o texto nas entrelinhas, ou vai entender tudo errado. Se é para armar o povo, como muitos defendem, vamos brincar com a carnificina, ao menos, no campo ficcional das coisas incríveis que dá pra fazer se você tiver uma arma de fogo.

Ser aceito pelo leitor. Ser aceito pela Bancada da Bala. Dar cobertura a um delator que foge com dólares na mala. Quanto privilégio: formar uma quadrilha só com deputados federais. Candidatar-se à Presidência da República com chances reais de vitória. Perder a cabeça. Descabaçar uma mina sob a mira do revólver não tem preço. Esses são os estatutos do desalmamento. Mandar mais gente pro inferno. Praticar tiro ao alvo contra calangos no muro do jardim de inverno. Duelar com um comunista, domingo, pontualmente às 12:00hs, horário de Brasília, em plena Avenida Paulista; se não encontrar nenhum cara-de-esquerda que possua uma arma de fogo, aproveitar a viagem para vandalizar contra os veadinhos que passeiam de mãos dadas pela rua como se isso fosse coisa de Jesus. Meter bala na cruz. Isso, sim, é loucura. Pedras são para os fracos. Fazer um safari. Matar um rinoceronte. Aleijar uma mulher. Caçar um gay.

Tiros em Columbine! Tiros na escolinha do bairro! Sou de uma época em que bullying se resolvia com socos e pontapés. Grande merda. Texto sem pé nem cabeça. Em maior ou menor grau, a violência sempre esteve entre nós, inclusive no que se pensa e no que se fala. Ah, a fala… Ah, o falo… Ah, o filo-da-puta que caminha para a igreja, plenamente a favor do porte irrestrito de alma. São raros, mas, há homens bons no mundo. Sentar-se numa mesa rodeada de facínoras com diplomas de curso superior, que passaram com mérito nos exames psicotécnicos. Espetáculos pirotécnicos no céu da favela. Rajadas de metralhadora. Leonora, a poposuda do funk, cagando pra qualidade da música, impressionada com tamanho arsenal bélico. Quanto talento naquela bunda astuta.

Fazer roleta-russa com o cano do revólver enfiado na conaça de uma prostituta; afinal de contas, tá pagando, pode fazer tudo o que tiver vontade. Receber uma comenda das mãos do próprio Donald Trump, o dono do mundo. Nothing bad. Defender um trampo num assalto à mão armada, se perder o emprego. Almas em fogo. Afagar com coronhadas a cabeça da mulher amada. Fechar os olhos, contar até três, fazer um pedido e apertar o gatilho. E continuar não entendendo nada.