O que as pessoas fazem depois do amor

O que as pessoas fazem depois do amor

Tem gente que surfa. Tem gente que surta na onda. Tem gente que tem sorte e acerta na mosca ao escrever um bom texto. As coisas da vida são assim mesmo, quase sempre imprevisíveis. Filosofia de merda? Não. Constatação pura. É uma inspiração, um estalo, uma ideia que aparece do nada e começa a martelar dentro da sua cabeça. Foi exatamente isso que aconteceu comigo. Então, eu escrevi para me libertar daquilo.

Era um voo da Prisoners, sem escalas, de Budapeste a São Paulo. Eu acabara de transar com uma desconhecida, uma húngara de beleza escandalosa que estava sentada na 29-F. Mais cedo, regados a doses generosas de Cuspe, trocáramos conversa fiada, valendo-nos de um inglês claudicante, sofrível, que, todavia, foi fluente o bastante para que marcássemos um encontro furtivo, arriscado, no meio da madrugada, no toalete masculino que ficava nos fundos da aeronave, onde não apenas era proibido fumar, como meter em pé, a 30 mil pés de altitude, rapidinho, em velocidade de cruzeiro, sobre o Oceano Atlântico. Ela suspendeu a calcinha, riu, beijou o meu rosto e se escafedeu na penumbra do corredor dizendo alguma coisa na sua língua pátria que, nem fodendo, eu entendi uma só sílaba. Na verdade, senti uma vontade danada de acender um Jeronimo’s, mas me lembrei que “de acordo com as normas internacionais, é proibido fumar a bordo da aeronave” e que “os nossos toaletes estão equipados com detectores de fumaça”. Sempre sinto vontade de fumar depois de uma trepada. Ali não foi diferente. Eu acabara de sair de um longo relacionamento. Portanto, estava mais propenso a sandices. Sentia-me como um cão acabrunhado, acorrentado, que tinha escapado da coleira. O que é que eu estava fazendo da minha vida? O que é que as pessoas faziam depois que um grande amor chegava ao fim?

A neurose não terminava ali. Aterrei. Brasil. Vila Madalena. Barrabás, um dos botecos mais inflamados da cidade de São Paulo. Minha bexiga suplicava. Havia bucetas demais, caralhos demais, de todos os tipos, estilos e tamanhos, desenhados na parede suja da latrina. Imaginem vocês um bar cujos toaletes são unissex, uma verdadeira insensatez, se é que a minha opinião conta. Aquele cubículo ardia. Meus olhos queimavam com o vapor de ureia. “Quem ler isso aqui tá dando o cu”, “Estou comendo a sua mãe”, “Gosto de chupar pica”, pessoas escreviam aquilo, a maioria delas empanturrada de álcool, era certo, mas, as pessoas se sentiam mais livres e escreviam aquilo. Palhaçada. Tudo palhaçada. Parvoíces de uma legião de bebuns, uma gente que não tinha mais o que fazer além de escoar urina pela serpentina. Enquanto mijava sobre partículas indescritíveis que boiavam na privada, saquei do bolso do paletó o batom vermelho que ela tinha esquecido antes de dar o fora e escrevi no único espaço vazio, em branco, que havia naquele ladrilho encardido, a seguinte pergunta: O que você faz depois do amor? Dois meses mais tarde, voltei àquela birosca, furtei uma página do cardápio e anotei no verso tudo que os passantes, homens e mulheres, tinham escrito em resposta à minha inquirição. Eu devia ter sido mais claro e específico. Pelo jeito, ninguém tinha entendido nada, absolutamente, nada do que eu havia perguntado.

“Bebo um scotch. Tomo uma ducha. Ataco a geladeira. Esquece. Me arrependo. Fico pensando que merda foi essa. Agradeço a Deus. Levito. Tenho crises de riso. Caio na real, juro que dessa vez foi a última. Não é da sua conta. Acendo um cigarro. Pago. Viro pro lado e durmo. Assisto Ratinho. Me desligo completamente. Bebo um azulzinho e tento outra vez. Sinto uma saudade danada de quando eu era criança lá em Casimiro de Abreu. Escrevo um poema. Esse negócio de amar é frescura. Boto defeitos na pintura do teto. Faço um carinho. Me liga que eu te conto. Desamarro ele. Choro. Vou puxar na memória e me lembrar como era isso. O amor é muito oblíquo para se ficar amando sempre. Pergunto se foi bom pra ele. Me mato. O amor é sempre. Atos de amor, inclusive o sexo, esses, sim, têm tempo. Vá se foder, otário. Relaxamos juntos com o meu amor nos meus braços. Relaxo. Sinto raiva. Recomeço a amar. Pergunta pra sua irmã. Adentramos no paraíso de mãos entrelaçadas. Acordo. Não faço nada porque eu não amo. Fico alguns minutos no nirvana, meu caro dr. Kinsey. Sério? Eu coo um cafezinho. Sinto paz. Sumo.”